Mas, quando o empalmou o fez do lado honroso da história. Silenciados os canhões, o Brasil, assim como o Ocidente, mergulhou no refazimento da sua civilização, do seu amanhã com uma nova estética, valores e compromissos. Pensar, construir e edificar Brasília, a nossa capital, deixou de ser apenas uma ideia e/ou expectativa, transformando-se em política pública e política de Estado, exatamente nesse momento. Um momento que André Malraux – um herói daqueles tempos – chamou de esperança!
Abwehr, em alemão, significa contraespionagem, segurança e defesa do Estado. Mais sofisticada e ampla do que a famosa Gestapo, a Abwehr, subordinada diretamente ao Alto-Comando das Forças Armadas da Alemanha, era um instrumento do gabinete de Hitler, no exterior. Culto, poliglota (incluindo o português), com 54 anos, o almirante Wilhem Canaris, da poderosa sede da pouco conhecida Abwehr em Hamburgo – de onde contemplava os encantos do rio Elba que se abria para o mar – cultivava sua estratégica rede de informações no Brasil.
Abrech Gustav Engels – o brasileiríssimo Alfredo – era o seu homem no Brasil. Engenheiro, Alfredo já havia trabalhado em Belo Horizonte, Joinville e no Rio de Janeiro. No Brasil desde 1923, certamente fugindo dos efeitos da Primeira Guerra Mundial, Engels visitou Berlim em 1938. Foi seduzido e capturado pela nova Alemanha de Hitler em ebulição. Em 1941, ele já conhecia, no Rio e em São Paulo, todas as pessoas importantes do mundo empresarial, político e militar. Da mesma forma, Canaris, em Hamburgo, sabia tudo sobre cada porto e/ou cidade importante no Brasil. A Abwehr tinha mapas, dados, fluxos de carga portuária, importância econômica, líderes locais das cidades de Belém, Natal, Recife, Salvador, Rio e Santos. Já tinha também os planejamentos para uma eventual invasão, simples destruição ou bombardeios preventivos para cada uma desses portos. Até mesmo um plano específico para bombardear o Rio de Janeiro (Operation Brasilien), com foco na destruição do porto e do aeroporto, já estava pronto.
A rede de informantes da Abwehr era ampla, sofisticada e poderosa. Os germanófilos Gaspar Dutra – ministro da Guerra – e Filinto Muller – chefe da polícia política do Catete – davam cobertura à espionagem alemã no País. Amigos e familiares de Dutra haviam festejado, em grande estilo, o desfile das tropas nazista no Champs Élysées, em 14 de junho de 1940. Havia ainda a rede de agentes nas assembleias de acionistas empresariais e das associações comerciais, além de um séquito de servidores públicos quintas-colunas, regiamente pago, nos ministérios da Fazenda e da Agricultura.
Tudo se revelou quando o tenente-coronel Alcides Etchegoyen, agora ligado aos serviços secretos dos EUA e da Inglaterra, substituiu Filinto Muller no rompimento diplomático do Brasil com a Alemanha, a Itália e o Japão. O sérvio Dusko Popov — o Ivan — era um espião, contraespião, agente duplo ou triplo. Mas era genial! Informante do FBI era, também, homem de confiança da Abwehr. Quando seus relatos chegaram ao Brasil, Etchegoyen desmontou toda, ou quase toda, máquina nazista no País, pondo na cadeia mais de 500 suspeitos. No nosso melhor estilo, os interrogatórios não permitiam silêncio. Tudo foi se esclarecendo. E o que se ouviu, não foi bonito!
No dia 23 de agosto de 1939, o sempre falante Joachim von Ribbentrop, ministro do Exterior de Hitler, e o melancólico Viatcheslav Molotov, comissário do Povo para os Negócios Estrangeiros de Stalin, se reuniram em Moscou para assinar o pacto de não agressão entre a Alemanha e a URSS. Agora com seu amplo bigode besuntado de cera de abelha, Stalin presenciou a formalização do acordo que surpreenderia o mundo. Não seria o seu primeiro crime e nem o último! Na semana seguinte, Hitler invadiu a Polônia e a dividiu com Stalin. Logo invadiria o Leste Europeu e o resto do mundo possível.
Getúlio Vargas entendeu o sinal e os perigos que se avizinhavam. Uma guerra nunca vista engolfaria o mundo. Do seu Palácio acompanhava a inquietude e divisão no seu gabinete. Dutra, Góes Monteiro, Capanema, Filinto Muller, Chico Campos, Souza Costa, Lourival eram germanófilos. Oswaldo Aranha, o mais antigo e leal amigo de Getúlio, com quem dividia o chimarrão com a mesma bomba, seu ministro das Relações Exteriores, tinha relações pessoais com o secretário de Estado americano, Sumner Welles.
Quando embaixador em Washington, Aranha costumava ir à Casa Branca conversar com Roosevelt. Sempre em francês, regado a Bourbon, dentre outros temas, falavam das belezas de Paris. Era destacada também a notoriedade, na capital americana, do embaixador Carlos Martins de Souza. Nos seus jantares na embaixada, não raro, estavam Nelson Rockfeller, Peggy Guggenheim e, ao piano, o senador Harry Truman. Já os irados e pouco gentis germanófilos, não conheciam sequer a cor do elevador do Ninho da Águia, de onde Hitler nutria seu ódio ao humano e a humanidade. Os tempos eram incertos, mas não era difícil perceber o que ia prevalecer!
No dia 14 de fevereiro de 1942, pouco mais de 30 dias após o bombardeiro japonês em Pearl Harbor, Oswaldo Aranha presidiu, no Rio de Janeiro, a Terceira Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores das Repúblicas Americanas. A presença do general George Marshall e do secretário de Estado Summer Welles, sinalizava a posição que o Brasil iria anunciar, logo em seguida, ao lado da Inglaterra, da França e dos Estados Unidos. Quando a Força Expedicionária Brasileira desembarcou na Itália, em 16 de junho de 1944, a guerra já estava decidida. Nossos soldados foram bravos, dignos e meritórios. Mas a importância do Brasil, naquele momento, era geopolítica e territorial.
Getúlio sabia que com a vitória dos aliados ele não poderia manter a Constituição de 1937 e, menos ainda, as restrições constitucionais impostas pelo estado de guerra. Organizou os dois maiores partidos – o PSD e o PTB –, editou uma legislação eleitoral e convocou a Assembleia Constituinte a ser eleita em dezembro de 1945. Vargas teve que renunciar em outubro daquele mesmo ano, mas continuava sendo a maior liderança política do País, tendo assegurado a eleição de Dutra.
A Constituinte de 1946 concluiu seus trabalhos em setembro daquele mesmo ano. Curiosamente, o tema da mudança da capital — que não constava na Constituição do Estado Novo de 1937 — foi resgatada, de certo modo, no último momento, pelo deputado mineiro e ex-presidente da República, Artur Bernardes. Inicia-se um novo debate sobre a localização da futura capital. Duas propostas são apresentadas na Assembleia: o deputado Café Filho (RN) defende a mudança da capital para Goiânia. Benedito Valadares (MG), apresenta a sua proposta para que a nova capital fosse edificada no Triângulo Mineiro. Juscelino Kubistchek, então deputado federal, também subscreve a proposta de Valadares, como os demais, desconhecendo os estudos clássicos da Comissão Cruls. O texto constitucional aprovado, reafirma que a “capital da União será transferida para o Planalto Central do País”. A disputa e o debate, na verdade, estavam apenas começando.
Promulgada a Constituição em setembro de 1946, o recém-eleito presidente Eurico Gaspar Dutra, ex-ministro da Guerra de Getúlio, nomeia, em 19 de novembro de 1946, a Comissão de Estudos para Localização da Nova Capital do Brasil, e convida o general Djalma Polli Coelho para a sua direção. Ainda que num gesto similar ao do seu antecessor, o marechal Floriano Peixoto que nomeou a Comissão Cruls – grupo técnico de perfil militar, a nova “Comissão Polli Coelho”, atenderia a uma urgência geopolítica e militar que a Segunda Guerra havia trazido. Não por acaso, antes de concluir o seu relatório, o general Polli Coelho, solicita, em caráter secreto, uma manifestação de cada um dos membros do Estado Maior do Exército, em 1947, sobre o “problema da mudança da capital”. O documento tem pareceres do Coronel João de Segadas Viana, Chefe da 1ª. Secção; do general Juarez Tavora, 2º. Subchefe do E.M.E; do Coronel Edgardino de Azevedo Pinto, Chefe da 3ª. Secção; do General de Brigada Zeno Estillac Leal, Chefe do E.M.E; do General de Exército Salvador César Obino, Chefe do Estado-Maior Geral; e do General Canrobert da Costa.
*Jornalista e diretor de Relações Institucionais do IHGDF
**Arquiteta e diretora do Centro de Documentação do IHGDF
Leia menos