Na reta final da corrida eleitoral, o candidato à prefeitura de São Paulo Pablo Marçal (PRTB) passou a recrutar em suas redes sociais apoiadores interessados em se voluntariar como “líderes do Marçal” nos diferentes bairros da capital paulista. Mas, em troca do cadastro virtual, a campanha do ex-coach exige dos eleitores o consentimento para o uso de seus dados pessoais para o envio de “ofertas de produtos e serviços”, o que viola a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
A contrapartida só aparece ao final do preenchimento do formulário, que exige do voluntário informações como nome, telefone, e-mail e a região da cidade onde vive, em letras pequenas e sem especificar quais ofertas seriam essas – e se elas têm alguma relação com o candidato.
O detalhe chamou atenção de aliados de concorrentes de Marçal e de especialistas em Direito Eleitoral, uma vez que, de acordo com a lei, o consentimento para o uso de dados pessoais é considerado nulo se o pedido de informações ou o formulário contiverem “conteúdo enganoso ou abusivo” ou “não tenham sido apresentadas previamente com transparência, de forma clara e inequívoca”.
Leia maisO cadastro que convoca os seguidores a serem líderes da campanha do “Marçal 28” pode ser acessado a partir de uma publicação do ex-coach no Instagram em que o candidato se apresenta como “prefeito” em um vídeo identificado como material eleitoral – incluindo o CNPJ da campanha.
“Obrigado por essa confiança, mas precisamos de algo. Nós vamos, nessa reta final, vencer essa eleição no primeiro turno. Eu não consigo fazer sem você. Você é líder de algum bairro, de alguma classe social? Você tá à frente [sic] e quer participar disso junto com a gente? Você vai clicar aqui e se cadastrar”, afirma Marçal no vídeo.
Só que, ao clicar no link mencionado pelo ex-coach, o usuário é redirecionado para o site “Ajude o Marçal 28” – uma página com a foto de Marçal e sua vice, Antônia de Jesus (PRTB), o símbolo do seu partido, o PRTB, e o número da legenda. Não há qualquer referência a serviços ou produtos.
Numa segunda etapa, chega-se a um formulário que pergunta se o eleitor vota ou não em São Paulo e em que região, o usuário se depara com o termo de uso e privacidade que cita objetos alheios ao contexto eleitoral – a legislação prevê que, caso não estejam explícitos no contexto em que os dados são captados, estes serviços não podem ser citados apenas no termo de consentimento.
“Autorizo o uso dos meus dados pessoais para o envio de ofertas de produtos e serviços, bem como envio de comunicações de caráter político por telefone, WhatsApp, e-mail e SMS. Estou ciente de que posso revogar essa autorização a qualquer momento”, diz o trecho, em letras pequenas.
A LGPD exige que o consentimento para o tratamento de dados pessoais é considerado nulo se as informações fornecidas à pessoa em questão contenham “conteúdo enganoso ou abusivo” ou “não tenham sido apresentadas previamente com transparência, de forma clara e inequívoca”.
Para Marilda Silveira, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Eleitoral (Ibrade) e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), é exatamente o caso do cadastro de Pablo Marçal, que não sinaliza ao eleitor de forma clara como seus dados podem ser usados para outros fins que não os de campanha, escamoteando no material eleitoral uma brecha para que o eleitor seja bombardeado depois com a oferta comercial de produtos e serviços.
O trecho da LGPD sobre a transparência no uso dos dados sem artifícios enganosos é uma das bases de uma resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) responsável por definir como as campanhas, coligações, partidos e federações devem usar os dados do eleitor.
“O ponto cerne da LGPD neste caso é que o cidadão, para ceder seus dados, precisa ler no termo de consentimento de forma transparente como seus dados serão utilizados. Então, se o eleitor consente no uso do dado para uma finalidade [eleitoral], ele não pode ser usado para outra”, explica Marilda.
Pablo Marçal, que hoje se autodenomina ex-coach, ficou famoso e diz ter ficado rico vendendo cursos online, palestras e livros sobre como prosperar e ficar rico. Ele publicou mais de 60 livros, oferece diversos cursos e diz ter atraído 1,5 milhão de alunos na internet utilizando a mesma estratégia que agora aplica em sua campanha.
Procurada, a coordenação jurídica da campanha de Marçal não respondeu até o fechamento desta reportagem.
Ainda segundo Marilda, que já foi assessora jurídica de ministros e da presidência do Tribunal Superior Eleitoral, a violação da LGPD pelo ex-coach pode eventualmente ser questionada por campanhas concorrentes na Justiça Eleitoral ou até mesmo pela Associação Nacional de Proteção de Dados (ANPD), vinculada ao Ministério da Justiça.
Do Jornal O Globo.
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