Além do mais, a operação policial do Rio permitiu ainda que os moradores das áreas submetidas aos bandidos pudessem comemorar o sucesso da ação. Quase 90%, segundo pesquisa de opinião, ficaram satisfeitos com a ação nas favelas cariocas do Alemão e da Penha. Segundo fonte policial, a mudança na percepção dessa boa gente é resultado das informações predominantemente difundidas pelas redes sociais.
A velha imprensa – jornais, revistas e TVs – perdeu seu espaço no dia-a-dia dos moradores de favelas. O jornalismo militante de esquerda vinha cultivando uma visão negativa das polícias estaduais. Para ele, a Polícia Militar e a Polícia Civil não agiam só em defesa da sociedade, mas se excediam em suas operações, matando criminosos e suspeitos e praticando abusos de autoridade. Embora se saiba que os abusos mais impactantes são de uma legislação que solta bandidos em audiências de custódia e de um Judiciário permissivo com o crime.
Com a cabeça na lua ou por interesse não revelado, o presidente Lula reagiu mal à ação policial do Rio, classificando-a como uma “matança, um desastre das forças de segurança do Rio”, no entender do governante. E ele ainda fez espuma com o envio ao Congresso de um projeto de lei determinando o combate às facções criminosas, como para isso precisasse de mais leis. E para contrariar as lenientes autoridades federais, o relator do PL escolhido foi o deputado direitista Guilherme Derrite (secretário licenciado de segurança de São Paulo), para que a polícia possa pôr fim às ações dos Amigos dos Amigos, Comando Vermelho (CV), Terceiro Comando, Primeiro Comando da Capital (PCC), Primeiro Comando Mineiro, Paz, Liberdade e Direito, Comando Norte/Nordeste. As facções espalhadas de Norte a Sul do país.
Derrite propõe neste PL, arrepiando o PT, punir algumas práticas de integrantes de organizações criminosas como fossem atos de terrorismo: domínio territorial, ataques a forças de segurança e sabotagem de serviços públicos, que prevê penas mais severas, de 20 a 40 anos de prisão. A tramitação dessa lei deve demorar, passando pela Câmara, Senado e indo à sanção de Lula, que deve vetar pelo menos parte do texto que ficou diferente ao enviado pelo governo.
Outra opção legal, apresentada anteriormente por Lula, foi a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 18/25) que muda a estrutura da segurança no país. Que busca, pelo menos no papel, integrar e coordenar ações entre União, estados e municípios. Um passo a mais para manter submissas à política de Brasília as forças policiais dos estados.
Guilherme Derrite, também policial licenciado de São Paulo, apontou problemas na PEC, como a vinculação de políticas estaduais às prioridades federais para acesso ao Fundo Nacional de Segurança Pública. Ele lembrou que a inclusão do fundo na Constituição não garante repasse obrigatório de recursos, como ocorre em saúde e educação. Segundo o deputado paulista, os estados aplicam 82% dos recursos da segurança pública, os municípios, 7%, e a União, 10%. “O estado é quem mais investe recursos próprios, mas a PEC permite que o governo federal, que investe pouco, defina os rumos da segurança pública”, afirmou.
Na verdade, os crimes acontecem nos estados e neles devem ser combatidos, com ajuda federal ou não. Hoje, as cidades mais violentas do país se concentram no Nordeste, principalmente no Ceará e Bahia, governados pelo PT, partido contrário à intervenção estadual exclusiva no combate aos criminosos. “O crime, em todas as suas esferas, de acordo com o jornalista Leandro Ruschel, é o maior problema do Brasil, e só será resolvido quando for reconhecido que apenas uma operação de guerra poderá acabar com o poder desses marginais”.
Já a carga contrária às ações das polícias militares é grande. Sob o disfarce de Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), esta ONG de esquerda financiada pela Fundação Ford e pela Open Society, apresenta sempre negativamente os números da intervenção das forças de segurança dos estados. A ONG estimula a limitação das atividades policiais, a ponto do presidente da FBSP, Renato Sérgio de Lima, ter uma coluna na revista “Piauí”, na qual aponta que “o acúmulo de mortes explicita recado das corporações: PMs ameaçam inviabilizar governos caso não sejam apoiadas em seus projetos de autonomia”. Para ele, é uma polícia militar golpista.
Segundo Renato Sérgio Lima, “as polícias brasileiras, em especial as militares, atuam como fiadoras da ordem e gozam de um grau decisório muito grande dentro da lei, sem que existam mecanismos de supervisão, controle e accountability. E, quando tais mecanismos começam a ser implementados, eles enfrentam uma forte resistência de setores das corporações e de políticos alinhados à linha dura na ação policial, sejam de direita e/ou de esquerda”. O que é uma lorota ideológica, digo eu.
Exatamente para contrariar esta tendência negativa apresentada por segmentos da esquerda que limita a ação das PMs e PCs, já se vê a mobilização dos governadores do Rio e São Paulo para formar uma aliança contra o crime organizado e o narco terrorismo. Os estados de Cláudio Castro e Tarcísio de Freitas detêm as melhores e mais preparadas forças de segurança. Mas precisam de alguns ajustes, como a limpeza anticorrupção de seus quadros para agir com mais eficácia. Entretanto, a melhoria só depende agora de ação política, como a praticada pelo governador fluminense, para mudar o panorama nacional.
Sempre esteve certo, portanto, o compositor paraibano Geraldo Vandré, que compôs e cantou nos anos 1960 a canção “Para dizer que não falei de flores”, que tinha como refrão “Quem sabe faz a hora. Não espera acontecer”. A música foi na época um hino de resistência à ditadura militar e agora pode ser um estímulo aos estados para agirem contra criminosos de organizações que infelicitam o país. Um combate solitário ou, se for possível, com aliados federais. É isso.
*Jornalista
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