A privatização da malha ferroviária do Nordeste se deu com a aquisição dos seus ativos pela Companhia Siderúrgica Nacional, CSN, que posteriormente apresentou um projeto de financiamento junto ao BNDES e BNB para implantar a ferrovia Transnordestina, um projeto que inicialmente previa integrar a malha ferroviária do Nordeste com a Ferrovia Norte/Sul, na altura do município de Estreito, no estado do Maranhão.
As obras foram iniciadas em 2006, tendo o canteiro central no município de Salgueiro/PE, seguindo o trajeto até Eliseu Martins no Piauí. Também no município de Salgueiro se deu o entroncamento de dois ramais, um com destino ao Porto de Pecém, no Ceará e outro no sentido do Porto de SUAPE, em Pernambuco, sendo que o ramal com destino ao Ceará está com a quase totalidade das obras implantadas, enquanto que o ramal destinado a SUAPE foi construído apenas entre Salgueiro e Custódia, tendo em 2021 a concessionária CSN devolvido a concessão do ramal SUAPE ao governo Federal alegando a sua inviabilidade econômica.
Em 2022, o Governo de Pernambuco publicou um acordo pactuado com a empresa de mineração mineira, BEMISA, onde ficava consignada a intenção daquela mineradora de implantar e operar o ramal de SUAPE. Ressalte-se que em 2021 o Governo Federal disponibilizou uma linha de crédito específica, para o ramal de SUAPE, no valor de R$ 5 bilhões, o que levou a todos acreditarem na finalização da tão sonhada obra.
Passadas as eleições de 2022, o acordo com a mineradora BEMISA sumiu do noticiário não se tendo notícia do destino que tenha tomado tal documento. Em 2024 o Governo Federal anunciou uma licitação para elaboração de um projeto de engenharia para as obras do ramal de SUAPE, havendo notícias recentes de que serão licitadas obras no valor de cerca de R$ 216 milhões para o trecho entre Arcoverde e Custódia.
O porto de SUAPE é estatal e sofre de males comuns a muitas das empresas estatais no país, como aparelhamento político, mau uso dos recursos, lentidão na tomada de decisões, etc.. Já o porto de Pecém é uma entidade privada mais ágil na tomada de decisões e eficiente no uso dos recursos materiais e financeiros, etc., e conferiu aos cearenses uma enorme vantagem competitiva nas negociações para atração dos investimentos relacionados com a ferrovia, senão vejamos:
O porto de Pecém buscou investimentos internacionais que viabilizaram a implantação de uma Siderúrgica que utilizará minério de ferro oriundo da região de Paulistana, no Piauí, que está no traçado da ferrovia e, também buscou a implantação de uma indústria de cimento, que aproveitará na sua produção a escória da fundição do minério de ferro, além de gipsita oriunda do município de Trindade/PE, já contemplado com ligação à ferrovia. A demanda por esses dois insumos já representa uma importante fonte de receita para o empreendimento.
Pernambuco, até o momento, não tem a menor ideia do que irá transportar num ramal ferroviário que venha a ser implantado. Fala-se que o gesso da região do Araripe viria a ser exportado pelo porto de SUAPE, no entanto, nos dias atuais, o gesso proveniente da Espanha já chega ao mercado de Recife a um custo bem menor que o gesso proveniente do Araripe inviabilizando, no momento, qualquer perspectiva de conquista de mercados internacionais. Fala-se, igualmente, que as frutas do vale do São Francisco, poderiam vir a ser exportadas por SUAPE. No entanto, toda a exportação atual se dá pelos portos de Pecém, Natal e Salvador, porque nenhum armador oferece o serviço a partir de SUAPE dada a sua estrutura de custos significativamente elevada em relação aos demais portos.
Falou-se durante muito tempo que a Transnordestina seria viável para o transporte do minério de ferro oriundo de jazidas do estado do Piauí com destino ao mercado internacional. Porém, nenhum dos dois portos, Pecém ou SUAPE, apresentam profundidade (calado) e berços de atracação compatíveis com a exportação de minério de ferro. Apenas para efeito de comparação, o maior navio já atracado no porto de SUAPE operou com carga de 21 mil toneladas, enquanto o porto de Ponta da Madeira, no Maranhão recebe navios com capacidade de carga de 400 mil toneladas, mesma capacidade do porto de Tubarão, no Espírito Santo, o outro tradicional exportador de minério de ferro do país. Lembrando que o minério de ferro é um insumo de baixo valor por tonelada e que somente é viável se transportado em embarcações muito grandes.
Devido às características do relevo da região de transição do agreste para o Sertão de Pernambuco, num trecho de 88km do projeto do ramal de SUAPE, haverá necessidade de uso de um helper, que vem a ser uma terceira locomotiva com potência de 4.000 kW, diferentemente do ramal de Pecém que operará em 100% do trecho com apenas duas máquinas em cada composição de 50 vagões. Tal fato já impõe custos de investimento e custos operacionais, ao ramal de SUAPE, bem superiores aos custos do ramal de Pecém.
O Ramal de Salgueiro a Pecém conta com bitola mista, de três trilhos, que permite a operação de vagões de bitola larga exclusivos de minério de ferro e de vagões de bitola mais estreita, que operam as demais cargas. Com relação ao ramal de Salgueiro para SUAPE, o trecho já construído, que vai de Salgueiro a Custódia, foi implantado apenas com bitola larga, de dois trilhos e servirá apenas para a operação de vagões de minério de ferro ou de vagões do tipo double steck, que são incompatíveis com as possíveis cargas destinadas ou oriundas do porto de SUAPE. Ressalte-se, ainda, que os dormentes de apenas dois assentos, utilizados no trecho de Salgueiro a Custódia, não permitem a instalação de um terceiro trilho pra transformá-lo em bitola mista, que seria a bitola adequada ao transporte de cargas gerais como grãos, combustíveis, gesso, etc.
Finalizando
Pernambuco optou por tomar decisões meramente políticas, populistas e eleitoreiras, sem dar importância ao caráter técnico e econômico, deixando de ouvir, para a tomada das suas decisões, os técnicos, os investidores, a iniciativa privada, enfim, e o resultado disso tudo é que seguiremos perdendo posições e protagonismo para os estados do Ceará e da Bahia, que souberam aproveitar as oportunidades.
*Engenheiro Civil CREA/PE 13986-D
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