Por Osório Borba Neto, diretamente de Brasília
Vês! — ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão — esta pantera —
Foi tua companheira inseparável!
Tendo a Câmara Federal como teatro, o Brasil assiste à encenação perfeita para esses versos de Augusto dos Anjos. A política vestiu sua face mais cínica: em poucas horas, aprovou-se a chamada “PEC da blindagem”, que retira do Poder Judiciário a prerrogativa de processar deputados por crimes comuns sem prévia autorização da própria Casa. Um salvo-conduto que transforma a Constituição em biombo para a impunidade.
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Questionado por uma jornalista sobre o tamanho do escândalo, um deputado — um “representante do povo” — resumiu o espírito do dia com a sinceridade brutal dos que não temem o descrédito: “Se vocês da imprensa não criticassem, o povo não se importaria”. O cinismo virou método. A desfaçatez, norma.
E, como se o vexame não bastasse, fez-se valer a máxima de que onde passa um boi, passa uma boiada. Hugo Mota, presidente da sessão, deputado paraibano de um estado em que Lula goza de 68% de aprovação, pautou, sem pudor, a urgência do projeto que anistia envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro. A democracia, já combalida, foi usada como cortina para absolver seus algozes.
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem que, nesta terra miserável,
Mora entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
A política, quando se despede da vergonha, arrasta consigo o que resta de confiança pública. A mão que afaga é a mesma que apedreja — e hoje, sob o aplauso dos seus, muitos deputados apedrejaram a ideia de República.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
No “dia da infâmia”, os versos centenários de Augusto dos Anjos soam menos como poesia e mais como crônica urgente. A política brasileira, entre beijos e escarros, busca, enfim, fazer da lama o seu lugar natural.
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