Por Jorge Henrique Cartaxo e Lenora Barbo*
Do Correio Braziliense
“Gostei de ver o seu amigo Kubitschek. Ele está solidamente apoiado pelo povo de Minas. Não seria a hora de nós deflagrarmos a sucessão? Procure fazer uma sondagem em torno do governador. Mas faça com cuidado, para que o Aranha não se aborreça”, disse Vargas a um sorridente e aquiescente Tancredo Neves, então ministro da Justiça, ao desembarcar, no Aeroporto Santos Dumont, regressando de Belo Horizonte, em 13 de agosto de 1954.
O trajeto do Aeroporto da Pampulha até a Mannesmann, na então cidade industrial (hoje Contagem), estava todo bloqueado pela Polícia Militar de Minas Gerais, para que Vargas e Juscelino fizessem todo o percurso até a solenidade de inauguração da famosa empresa alemã de tubos de aço sem sobressaltos. “No governo, represento o princípio da legalidade constitucional que me cabe preservar e defender. Advirto aos eternos fomentadores da provocação e da desordem que saberei resistir a todas e quaisquer tentativas de perturbação da paz e da tranquilidade públicas”, disse o presidente no fim da manhã de 12 de agosto, ao lado de JK, no seu último pronunciamento oficial.
Leia maisNa pérgola da piscina do Palácio da Liberdade, já no meio da tarde, ao som suave de uma pequena orquestra, Vargas saboreava o farto repasto oferecido pelo governador mineiro. Apreensivo, o general Caiado de Castro aproximou-se do presidente lembrando que o avião já estava pronto para a partida. As tensões políticas no Rio permaneciam crescentes. A missa de sétimo dia em memória do major Rubens Vaz, morto no suposto atentado contra o então deputado Carlos Lacerda, celebrada na Candelária, acirrara em muito os ânimos dos militares. Possivelmente querendo um pouco de distanciamento de tudo, um cenário distinto, Vargas, com a suavidade consistente que lhe era própria, fitou o amigo e disse: “Não sigo hoje para o Rio, general, vou pernoitar em Belo Horizonte”.
Ao fim do longo almoço, às 17 horas, Juscelino levou Vargas para o Palácio das Mangabeiras. Às 19 horas, o presidente recebeu em audiência um grupo de trabalhadores. Às 21 horas, foi servido o jantar com a presença de diretores da Mannesmann, lideranças políticas e personalidades da sociedade mineira. Agora era o violão e a voz de Dilermando Reis que animavam a noite.
Findo o jantar, insone na madrugada, Vargas percorreu a biblioteca do Palácio. Percebendo o movimento, JK foi ao seu encontro. “Não durmo sem antes ler um pouco”, explicou-se o presidente ao notar a presença do governador, dirigindo-se para a escada que o levaria aos seus aposentos, no primeiro andar, com um livro do Eça de Queiroz nas mãos. Assim, como quem tece uma teia ou faz um bordado do adeus da vida que ele se encarregaria de encerrar, na manhã de 24 daquele mesmo mês de agosto de 1954.

Café Filho, vice-presidente de Vargas, sergipano do PSP de Adhemar de Barros, assume a presidência da República no mesmo 24 de agosto de 1954. Em meio aos protestos que tomaram conta do país com o suicídio de Vargas, o então ministro da Guerra, general Euclides Zenóbio da Costa, pede demissão. Ele teria sido um dos idealizadores do Manifesto dos Generais de 22 de agosto de 1954, exigindo a renúncia de Vargas. Café Filho nomeia o general Henrique Teixeira Lott, disciplinado e legalista, no lugar de Zenóbio.
As articulações para a sucessão presidencial tomam corpo. A UDN, agora integrada com o governo Café Filho, parecia ter a preferência eleitoral. Mas logo se assustou com a presença de Juscelino no cenário nacional e a sua aproximação com o PTB de João Goulart, o herdeiro natural do getulismo. A ideia de uma candidatura única, a mesma que surgiu em 1950 contra Vargas, também capitaneada pela UDN, voltou às manchetes e aos gabinetes, agora na voz de Lacerda e de alguns generais.
O mesmo fantasma de uma suposta República de orientação sócia-sindicalista — o mesmo de 1950, também contra Vargas —, em conluio com o presidente argentino, Juan Domingos Perón, a famosa Carta Brandi foi divulgada com estardalhaço pela Tribuna da Imprensa, de Carlos Lacerda. A carta era falsa! A pressão por uma candidatura única permaneceu e se intensificou. Até uma emenda constitucional definindo a maioria absoluta dos votos, como quórum mínimo para assegurar a eleição do novo presidente, a UDN apresentou, sem sucesso.
Juscelino e Jango foram eleitos em 3 de outubro de 1955. As pressões mudaram de tom e de forma: agora, era um golpe militar! Em 1º de novembro de 1955, no enterro do general Canrobert, ao lado do general e ministro Teixeira Lott, o coronel Jurandir Mamede fez um discurso contra os presidente e vice-presidente eleitos. Defendeu o impedimento da posse de JK e de Jango. Na ocasião, subordinado à Escola Superior de Guerra, Mamede não podia ser punido diretamente pelo ministro, que buscou o apoio do Estado Maior do Exército. Não conseguiu! Lott foi, então, ao presidente da República pedir a punição pretendida para Mamede, arguindo o desrespeito à hierarquia. Diante da tensão, Café Filho simula um providencial “infarto” e afasta-se da Presidência da República.
O presidente da Câmara, Carlos Luz, assume a Presidência da República em 8 de novembro. Lott vai ao Catete, recebe um chá de cadeira de duas horas e não obtém o apoio do presidente em exercício, para punir o coronel Jurandir Mamede. No dia 10, Lott pede demissão. A posse do general Álvaro Fiúza de Castro, o novo ministro da Guerra, foi marcada para o dia 11. Na noite do dia 10, os generais Odílio Denys, comandante da Zona Militar do Leste, e Olympio Falconière, comandante da Zona Militar do Centro, e um conjunto de oficiais-generais, percebem o golpe em curso, e decidem não aceitar a demissão do general Lott do Ministério da Guerra. Lott não era um homem qualquer. Sem o gabinete, mas com as armas, faz valer a Constituição. Na madrugada do dia 11, determina o cerco ao Catete, ocupa os quartéis da polícia e a sede da companhia telefônica.
Informado da movimentação das tropas, Carlos Luz e alguns ministros se escondem no Cruzador Tamandaré, então sob o comando do vice-almirante Silvio Heck. A bordo, estavam também Carlos Lacerda, Prado Kelly e os coronéis Jayme Portella e Jurandir Mamede. Determinado, Lott ordena alguns disparos da artilharia das fortalezas da costa do Rio de Janeiro contra o Cruzador Tamandaré. Carlos Luz teria impedido o revide do navio de guerra. As baixas civis e militares, no caso, teriam sido significativas. A embarcação militar rumou para Santos, onde esperava o apoio do governador Jânio Quadros e a resistência em favor de Carlos Luz, sob a liderança do brigadeiro Eduardo Gomes.
Naquela mesma manhã de 11 de novembro de 1955, o general Henrique Teixeira Lott encaminha ao presidente do Senado, Nereu Ramos, requerimento para que se vote o impeachment de Carlos Luz. O presidente em exercício teria deixado o território brasileiro sem a devida autorização do Congresso Nacional. A sessão foi tensa e tumultuada, mas por 185 votos a favor e 72 contrários, Luz perdeu todos os poderes. Em São Paulo, Jânio muda de posição ao se ver diante da determinação do general Falconière. O mesmo recuo aconteceu com o Alto Comando da Marinha, que não escondia sua posição contra JK. Lacerda se esconde na embaixada de Cuba, do então do ditador Fulgêncio Batista. Carlos Luz pede para voltar para casa.
Ainda em 11 de novembro, às 18h30, acompanhado do general Teixeira Lott, dos líderes dos partidos na Câmara e no Senado, o senador Nereu Ramos chega ao Palácio do Catete para assumir a Presidência da República. “Aqui estou para a posse, para cumprir uma decisão da Câmara e do Senado. Tive a honra de ser escolhido pelos meus pares para assumir a Presidência da República, restabelecendo assim a ordem legal. Cumpro o meu dever de brasileiro e peço a Deus que me ilumine nesta hora e me indique o caminho da pacificação da família brasileira”, disse Nereu Ramos no seu primeiro pronunciamento público como presidente.
Em 21 de novembro, Café Filho anuncia que está reassumindo o cargo. Lott, mais uma vez, toma duas fortes decisões: mantém Café Filho em prisão domiciliar e solicita ao Congresso uma resolução declarando-o impedido. Em 24 de novembro, o Congresso autoriza o presidente Nereu Ramos a decretar o Estado de Sítio, que vigeu até a posse de Juscelino Kubitschek e de João Goulart, em 31 de janeiro de 1956.
Entre um momento e outro, o marechal José Pessoa concluiu o seu relatório na Comissão de Localização da Nova Capital Federal, quando foi escolhido o Sítio Castanho, em fevereiro de 1955, onde hoje está edificado o Plano Piloto de Brasília. Pessoa coordenou também a elaboração do primeiro Plano Piloto da Nova capital, que ele sugeriu que tivesse o nome de Vera Cruz. O governador Juca Ludovico, de Goiaz, criou, em 5 de outubro de 1955, por meio do Decreto 1.258, a Comissão de Cooperação para Mudança da Capital Federal, presidida pelo médico e pecuarista Altamiro de Moura Pacheco, que nomeou Jofre Mozart Parada como o engenheiro-chefe de Subcomissão Técnica.
Em 9 de dezembro de 1955, o então presidente da República, Nereu Ramos, no Decreto 38.281, transforma a Comissão de Localização da Nova Capital em Comissão de Planejamento da Construção e da Mudança da Capital Federal. Nos seus 12 artigos, entre outras providências, o decreto determina: a) plano de utilização da área escolhida para o pavimento de recursos de construção da nova capital e plano urbanístico, inclusive, o anteprojeto e projeto da capital e de edifícios que constituirão a sede do novo governo; b) o prazo para a conclusão desses trabalhos será de até cinco anos, a partir dessa data.
*Jorge Henrique Cartaxo é jornalista e diretor de Relações Institucionais do IHGDF |Lenora Barbo é arquiteta e diretora do Centro de Documentação do IHGDF
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