Lula, o grande derrotado
Não foi apenas o PT que saiu menor do que entrou nas eleições municipais. Foi, sobretudo, o presidente Lula, sua esfinge, sua maior liderança. Além de se omitir na disputa de primeiro turno, limitando-se a dois atos em São Paulo, o petista vai sair no prejuízo: seu candidato Guilherme Boulos, do Psol, já que o PT não teve quadros para a disputa, vai levar uma surra do prefeito Ricardo Nunes (MDB).
Pela pesquisa do Datafolha, Nunes aparece com 55% ante 33% de Boulos. São Paulo, território de Lula, Estado que adotou ao sair de Pernambuco num pau de arara, virou um pesadelo para os partidos de esquerda. Por pouco, o aventureiro Pablo Marçal, franco atirador, não chega ao segundo turno. Não fossem os erros infantis e grosseiros que cometeu, teria passado Boulos.
Leia maisEm Belo Horizonte, capital de Minas, segundo maior colégio eleitoral do País, Lula sequer deu o ar da sua graça e nem pensa em botar os pés no segundo turno por lá, porque a disputa se dá entre dois candidatos da direita: Bruno Engler (PL), bolsonarista, e Fuad Noman, do PSD de Gilberto Kassab, partido que elegeu o maior número de prefeitos no primeiro turno – 882 gestores.
Lula amarga ainda outra grande derrota: os seis partidos que mais elegeram prefeitos – pela ordem PSD, MDB, PP, União Brasil e Republicanos – são do Centrão, movimento conservador do Congresso, alinhado ao ex-presidente Bolsonaro. O PT, para desespero de Lula, foi o nono. Elegeu apenas 248 prefeitos, enquanto o PL elegeu mais que o dobro – 512.
O problema para Lula é que o placar da votação não deixa dúvida: a direita e o conservadorismo ganharam terreno, enquanto a esquerda e o PT ficaram para trás na disputa pelas prefeituras e câmaras municipais. Até 2026, muita coisa pode mudar. O resultado num pleito municipal não tem necessariamente relação direta com o de uma eleição geral, mas não há como negar que, por enquanto, os ventos sopram numa direção contrária sonhada por Lula.
Algumas razões para a desidratação petista e de Lula são conhecidas. Nos últimos dez anos, o partido enfrentou um poderoso processo de desgaste em decorrência da Operação Lava-Jato, que desvendou o maior esquema de corrupção já descoberto no país, e da recessão histórica legada por Dilma Rousseff. A legenda reconhece o peso desses fatores, mas, como de costume, omite os próprios erros e se apresenta como vítima de conspiração.
AFASTADO DAS RUAS – Vice-presidente do União Brasil, o ex-deputado federal e ex-prefeito Antônio Carlos Magalhães Neto (BA) disse, ontem, em entrevista à Folha de São Paulo, que as eleições municipais mostraram um presidente Lula (PT) enfraquecido e afastado das ruas, o que abre caminho para seus adversários em 2026. ACM Neto, que integra a ala do partido mais refratária ao governo, defendeu o enfrentamento com o PT, afirmando que Lula faz um governo de esquerda, apesar de o próprio União Brasil, além de PSD, MDB, PP e Republicanos somarem 11 ministros na Esplanada. “Se os outros campos políticos se organizarem, é possível ter uma eleição competitiva em 2026”, afirmou.
A grandeza de Valadares – Prefeitos derrotados ou que não conseguiram eleger seus sucessores em Pernambuco deveriam seguir o exemplo de Evandro Valadares (PSB), de São José do Egito, o Reino Encantado da Poesia, no Sertão do Pajeú, a 350 km do Recife: no dia seguinte à eleição, deu início ao processo de transição administrativa para o prefeito eleito Fredson Brito (Republicanos), que derrotou o dentista George Borja.
Sertânia fechada em copas – Já o prefeito de Sertânia, Ângelo Ferreira (PSB), não teve a mesma grandeza. Segundo a prefeita eleita Pollyanna Abreu (PSDB), sequer um telefonema foi recebido. Desconfiada de que enfrentará dificuldades em receber o diagnóstico das finanças do município, a tucana escalou dois advogados da sua equipe para irem, hoje, formalmente, ao prefeito e sua equipe, tentar levantar o quadro. “Meu palanque está desarmado. Espero que haja abertura para iniciarmos a transição, o que será extremamente importante para sabermos por onde iniciar nosso trabalho”, disse Tia Polly, como ficou conhecida durante a campanha eleitoral.
Um baque em 20 anos – Na eleição municipal de 2004, disputada no primeiro mandato de Lula, o PT mais do que dobrou o número de prefeituras e venceu em seis capitais no primeiro turno. Em 2012, no mandato inicial de Dilma Rousseff, ganhou em 635 cidades, incluindo São Paulo. Neste ano, as vitórias se concentraram em municípios pequenos, e as mais festejadas ocorreram em Contagem e Juiz de Fora, ambas em Minas Gerais. Em Pernambuco, elegeu apenas seis cidades, sendo Serra Talhada a mais importante, com a reeleição de Márcia Conrado.
A grande surpresa na RMR – Devido ao desgaste da gestão da prefeita Doutora Nadegi, a eleição mais surpreendente na Região Metropolitana do Recife foi a do prefeito eleito Diego Cabral (Republicanos). Ciente de que seu maior desafio era superar o clichê de que seria a continuidade de um governo de oito anos, sem muita sintonia popular, Cabral traçou uma estratégia para se apresentar como o “novo”, nome capaz de evitar um retrocesso com a volta do ex-prefeito Jorge Alexandre (Podemos). Deu certo. Saiu das urnas com 41.968 votos, 45,39% dos votos válidos, ante 33.372 votos do adversário (36,09%). Diego contou também com o empenho do ministro dos Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, e ainda arrastou o prefeito João Campos (PSB) para dois grandes eventos na campanha.
CURTAS
GOLPE – Além da carência numérica do PT, houve derrotas simbólicas importantes. O próprio Lula acusa o golpe do fracasso em Araraquara, onde o prefeito petista Edinho Silva — cotado para substituir a deputada Gleisi Hoffmann no comando do partido — não conseguiu eleger a sucessora, que acabou superada por um nome apoiado pela família Bolsonaro.
ALIANÇAS – No segundo turno, o PT concorre em treze cidades, incluindo quatro capitais, nas quais não desponta como favorito. “Hoje, a esquerda não é mais uma posição majoritária no Brasil. É minoria. Por isso, o PT depende cada vez mais de alianças com partidos mais ao centro”, diz o deputado federal petista Rogério Correia, que ficou em sexto lugar na disputa pela prefeitura de Belo Horizonte.
RESPONSABILIDADE – Por mais que tente negar, Lula também tem responsabilidade direta pelo desempenho municipal da legenda. De olho na eleição de 2026, o presidente determinou ao partido que abrisse mão de candidaturas em grandes colégios eleitorais e apoiasse concorrentes de siglas aliadas, na expectativa de que estas, daqui a dois anos, embarcassem na sua campanha à reeleição.
Perguntar não ofende: Lula se afastou das ruas nas eleições municipais por que não transfere mais votos?
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