Sem um canal aberto de negociação com a Casa Branca, o governo brasileiro apresentou, nesta quarta-feira, um pedido de consulta à missão dos Estados Unidos na Organização Mundial do Comércio (OMC), sediada em Genebra (Suíça), sobre o tarifaço promovido por Donald Trump. Esse é o primeiro passo para uma ação na OMC contra as sobretaxas impostas pelos EUA a produtos brasileiros.
Na última segunda-feira, o Conselho de Ministros da Câmara de Comércio Exterior (Camex) aprovou que o Brasil recorra à OMC contra o tarifaço. Caso não haja acordo com os EUA, o governo brasileiro pedirá a instalação de um painel, ou comitê de arbitragem, para avaliar o caso. As informações são do jornal O Globo.
Leia maisNesta quarta-feira, entrou em vigor uma sobretaxa de 50% sobre parte das exportações brasileiras que têm como destino o mercado americano. O Brasil argumenta que a medida está em desacordo com as normas internacionais de comércio.
Em nota, o Ministério das Relações Exteriores afirma que a data e o local das consultas deverão ser acordados entre as duas partes nas próximas semanas. Segundo o Itamaraty, as medidas atingem uma ampla gama de produtos brasileiros.
“Ao impor as citadas medidas, os EUA violam flagrantemente compromissos centrais assumidos por aquele país na OMC, como o princípio da nação mais favorecida e os tetos tarifários negociados no âmbito daquela organização”, diz a nota.
O texto reforça que as consultas bilaterais representam o primeiro passo para a abertura de um painel.
“As consultas bilaterais, concebidas para que as partes busquem uma solução negociada para a disputa antes do eventual estabelecimento de um painel, são a primeira etapa formal no âmbito do sistema de solução de controvérsias na OMC”.
Ana Caetano, sócia da área de comércio exterior do escritório Veirano Advogados, teme que a abertura de uma consulta na Organização Mundial do Comércio (OMC) pelo Brasil seja encarada pelo governo dos EUA como uma retaliação à sobretaxa adicional de 40% anunciada semana passada. O decreto do presidente Donald Trump que instituiu a sobretaxa menciona explicitamente que a tarifa poderia ser ainda mais elevada em casos de retaliação.
— Temos que tomar cuidado para ver se os EUA não vão entender o movimento como retaliatório — disse Ana.
OMC paralisada
Além disso, o desfecho do caso pode levar anos. Isso porque o Órgão de Apelação da OMC, que funciona como última instância em um recurso movido pelo país que se sente prejudicado pela decisão dos árbitros, está paralisado.
Esse engessamento do órgão foi causado por um boicote dos Estados Unidos. Em seu primeiro mandato, Trump se recusou a nomear juízes para essa instância, procedimento mantido por seu sucessor, o ex-presidente Joe Biden, do Partido Democrata.
— O órgão de apelação hoje não existe mais, o significa que não se consegue implementar uma decisão da OMC — explicou Ana.
Em busca de alternativas
Apesar do esvaziamento da OMC, a sócia do Veirano ressaltou que outros países têm tentado contornar o movimento dos EUA.
Uma das saídas, adotada em 2020, foi a criação do Acordo de Arbitragem de Apelação Interina Multi-Partes (MPIA, na sigla em inglês), no âmbito da OMC. Com ele, os países signatários resolvem disputas comerciais por meio de processos de arbitragem. Segundo Ana, aderiram ao MPIA países como Brasil, China, Chile, União Europeia (UE), Austrália, Cingapura e Japão, entre outros.
— A ideia é angariar cada vez mais membros para fazer fazerem parte desse acordo. Sabemos que os Estados Unidos não, mas se conseguirmos angariar os demais para entrarem (no acordo) é como se tivéssemos, de novo, o sistema funcionando, com exceção dos americanos — afirmou Ana.
Segundo a advogada, que é árbitra do MPIA, o acordo já apresenta resultados práticos:
— O MPIA acabou de decidir um caso trazido pela União Europeia contra a China e que foi acatado pelos dois. Surtiu o efeito para dois grandes atores do comércio internacional.
Leia menos