Do Estadão Conteúdo
A engenheira Camila Bruzzi, presidente e fundadora da Coalizão Licença-Paternidade (CoPai), cita mais um motivo para comemorar o Dia dos Pais neste domingo (10). A data pode ser a última em que vigora a licença-paternidade de cinco dias, menos da metade do recomendado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). Em entrevista à Coluna do Estadão, Bruzzi disse estar confiante de que neste semestre o Congresso aumentará o benefício, depois de quase 40 anos sem regulamentar uma regra temporária da Constituição.
O avanço não veio sem pressão, principalmente por parte do Supremo Tribunal Federal (STF). A Corte foi provocada sobre o tema ainda em 2012 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde. Em 2023, o tribunal traçou uma linha: o Congresso se omitiu e tem até julho de 2025 para decidir sobre o caso, ou o próprio Supremo fixaria a licença. Com o fim do prazo, o Congresso voltou a se movimentar para aprovar a proposta.
Leia maisNo mês passado, a Câmara aprovou urgência para o assunto ser votado no plenário. O texto a ser construído deve se basear nas duas propostas mais avançadas nas duas Casas legislativas. Elas preveem a elevação de cinco para 60 dias, ao longo de uma transição de cinco anos. Antes, o benefício passaria por 30 e 45 dias, com remuneração do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), nos moldes da licença-maternidade.
“O aumento da licença-paternidade pode transformar o Brasil e tem os ingredientes básicos para formar uma nova geração mais próspera”, afirmou Bruzzi, acrescentando que uma licença-paternidade de 60 dias teria impacto de menos de 1% no orçamento da Previdência. E reforçou que trata-se de um investimento, que auxiliaria pais, mães, filhos e até o Sistema Único de Saúde (SUS).
Desde 1988, a licença-paternidade no País é de cinco dias, podendo passar para 20 dias em empresas que aderem ao programa Empresa Cidadã. A licença-maternidade geral é de quatro a seis meses. Na Colômbia, a licença ao pai de um recém-nascido é de três semanas e, em Portugal, 22. Na Coreia do Sul, são 54 semanas.
Leia os principais trechos da entrevista
Após quase 40 anos, o Congresso vai finalmente regulamentar a licença-paternidade? Ou será preciso provocar o STF, que já deu um prazo de um ano e meio ao Parlamento, ainda sem sucesso?
Acreditamos que não há necessidade de pressionar o STF neste momento, porque a pauta está finalmente avançando. Nossa expectativa é de que seja aprovada pelo Congresso neste ano. O projeto já pode ir ao plenário da Câmara. Avaliamos que só haverá mudanças significativas se a licença-paternidade for maior que 30 dias, em linha com a Sociedade Brasileira de Pediatria.
Quais são os benefícios de aumentar a licença-paternidade de cinco para 60 dias?
O aumento da licença-paternidade pode transformar o Brasil e é apoiado por 92% da população. Estudos mostram que quando o pai fica um período prolongado com o filho no começo da vida, aumenta muito a probabilidade de ele permanecer nesse cuidado ao longo da vida. A neurociência aponta que isso gera efeitos hormonais no pai. E contribui para a primeira infância, nos dois primeiros anos, quando 80% do cérebro da criança é formado. O filho desenvolve melhor as habilidades cognitivas, a autoestima e até a fala. Diminuem-se as chances de abandono escolar, envolvimento com drogas e gravidez precoce. Essas mudanças são os ingredientes básicos de uma nova geração mais próspera.
E o impacto em termos econômicos?
Uma licença-paternidade de 60 dias representaria menos de 1% do orçamento da Previdência Social, segundo estimativas das áreas técnicas da Câmara e do Senado. A taxa de fecundidade brasileira não chega a dois filhos por casal e o Brasil tem 40 milhões de trabalhadores com carteira assinada. O professor James Heckman, vencedor do Nobel de Economia, diz que o investimento na primeira infância é o melhor que uma nação pode fazer em termos de retorno do investimento. A cada R$ 1 investido, R$ 7 retornam no longo prazo. Grandes empresas no Brasil já adotam seis meses de licença-paternidade, como O Boticário (cosméticos) e Diageo (dona do whisky Johnny Walker). Pelo menos 30 empresas oferecem dois meses.
Outra vantagem do aumento da licença-paternidade seria no auxílio à maternidade e à igualdade de gênero, certo?
Com certeza. O filho deve ser uma responsabilidade compartilhada entre pai e mãe. Muita gente fala: “O pai não precisa estar nos primeiros dias porque não dá de mamar”. Ironicamente, nessa fase é essencial a presença paterna em casa, também para a mãe da criança. 80% das mulheres têm dificuldade na amamentação. E é fundamental ter um parceiro ao lado para dar apoio emocional e prático, em um momento de muitas mudanças hormonais. É dar à mãe tempo de sono, alimentação e hidratação. Quanto menos a mãe dorme, menos leite ela vai ter. Uma pesquisa apontou que a chance de interrupção precoce da amamentação cai 160% quando há um parceiro em casa. E essa interrupção pode trazer riscos à saúde da mãe e do bebê. O SUS gasta R$ 1 bilhão ao ano com essas hospitalizações de mãe ou bebê.
A licença-paternidade do Brasil é de cinco dias. Como é a regra em outros países?
No México, lanterna junto ao Brasil, a licença-paternidade é de uma semana. Na Colômbia, três semanas. Na Hungria, 10. Na Grécia, 11. Na Espanha, 17. Em Portugal, são 22 semanas. O país mais generoso é a Coréia do Sul, com 54 semanas. Há países com meses a serem divididos entre o pai e a mãe, como na Alemanha, que dá 14 meses no total, com pelo menos dois meses exclusivos a cada genitor.
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