Por Marcondes Brito
Do O Norte Online
Um comunicado interno distribuído nesta semana à redação do jornal O Estado de S. Paulo acabou ganhando um peso que vai muito além do seu valor nominal. A direção anunciou a concessão de um bônus de R$ 40 aos profissionais, destinado exclusivamente à compra de alimentos no supermercado Carrefour. Há uma unidade da rede exatamente em frente ao prédio do jornal, do outro lado da Avenida Professor Celestino Bourroul, na zona norte de São Paulo. Basta atravessar a faixa de pedestres.
A informação rapidamente saiu da redação e correu pelas redes sociais, especialmente no Twitter-X. A reação de parte dos próprios jornalistas foi transformar o episódio em humor crítico. Memes começaram a circular fazendo uma releitura direta de um editorial histórico publicado pelo próprio Estadão na véspera das eleições de 2018, quando o jornal estampou o título “Uma escolha muito difícil”, ao se referir à disputa entre Jair Bolsonaro e Fernando Haddad.
Agora, a “escolha difícil” passou a ser outra: o que comprar com R$ 40. Além das imagens, também circularam pelo WhatsApp músicas criadas por inteligência artificial ironizando a situação.

O episódio, no entanto, diz menos sobre um jornal específico e muito mais sobre a transformação estrutural da indústria da notícia. O jornalismo que durante décadas operou com previsibilidade de receita, publicidade forte, tiragens robustas e orçamentos largos hoje convive com um ambiente de competição global, pulverização da audiência, plataformas digitais dominando o tráfego e uma permanente pressão por reinvenção.
O próprio Grupo Estado vive esse momento de transição de forma organizada, mudando o comando executivo. Erick Bretas assumiu como CEO da S/A O Estado de S. Paulo, enquanto Francisco de Mesquita Neto passou à presidência do Conselho de Administração. Os movimentos fazem parte da estratégia de reposicionamento num mercado que já não se comporta como o do século passado.
Nada disso aponta para crise, muito menos para um colapso financeiro. O que se vê é um setor inteiro passando por ajustes finos, redefinindo custos, testando modelos e tentando equilibrar tradição com sobrevivência no ambiente digital. O tal bônus virou símbolo não por ser decisivo, mas por ser didático.
É aí que o jornalismo encontra um de seus paradoxos mais curiosos. Nunca se produziu tanta informação. Nunca se consumiu tanto conteúdo. E, ao mesmo tempo, nunca foi tão difícil fechar essa conta.
Ah, aqueles tempos…
Para entender a dimensão dessa mudança, basta ouvir quem viveu dois tempos completamente diferentes nesse universo da mídia. O jornalista Evaldo Costa, que foi correspondente do Estadão em Pernambuco durante anos, viveu uma época em que dinheiro simplesmente não era pauta dentro da rotina da redação.
Ele recorda um episódio de 1986, em que recebeu autorização para realizar uma cobertura em Fernando de Noronha que, em valores atualizados, teria custado o equivalente a cerca de R$ 150 mil. Um único assunto. Um único deslocamento. Uma decisão imediata. Todos os detalhes dessa cobertura, com nomes (tem até um paraibano na história), bastidores e o contexto da época, estão no depoimento exclusivo que Evaldo concedeu a O Norte Online, logo abaixo, acompanhado do print da edição do Estadão em que a matéria foi publicada.
O salto entre aquele jornalismo de recursos quase ilimitados e o bônus de R$ 40 que hoje atravessa a faixa de pedestres em frente à redação não fala apenas de dinheiro. Fala de época, de modelo de negócio, de cultura empresarial e, sobretudo, de como a indústria da notícia precisou se redesenhar em poucos anos.
Nada disso diminui o peso histórico do Estadão, fundado em 1875 e uma das instituições mais sólidas da imprensa latino-americana. Pelo contrário. Se até os gigantes passaram a medir cada movimento, é porque o jogo mudou para todo mundo.
Entre memes, músicas de inteligência artificial, bônus simbólicos e decisões estratégicas de milhões, o episódio acabou se transformando num retrato fiel de uma transição que não é de um jornal, mas de todo o jornalismo brasileiro. Um retrato que, como no futebol, não admite mais jogar com o regulamento antigo quando o campeonato já é outro.
Quando era permitido gastar muito
[Por Evaldo Costa]
Quando caiu a ditadura haitiana liderada pelo Duvivier Jr, conhecido como “Baby Doc”, o governo brasileiro — leia-se Sarney — deu asilo a um ex-chefe de polícia ou coisa assim.
O problema é que mandou o cara ficar em Fernando de Noronha, que era um destino turístico muito mais exclusivo que é hoje, mas, ao mesmo tempo, um lugar um tanto ou quanto isolado: bom pra ir passar um fim de semana, mas péssimo pra morar.
Na noite que isso foi decidido, eu estava de plantão na sucursal do Recife do Estadão e recebi um telefonema de São Paulo. Um sub qualquer lá determinava que eu fretasse um avião para estar 7h00 da manhã do dia seguinte em Fernando de Noronha para cobrir a chegada do tal asilado político (Albert Pierre).
Era numa sexta-feira, fim de expediente. Estava com tudo armado para cair na boemia recifense. Meu chefe imediato — o grande Carlos Garcia — estava viajando, de férias, pelo que lembro.
O que eu fiz? Liguei para as companhias de táxi aéreo atuantes, pedi orçamentos, que deveriam ser enviados por telex.
Recebi logo dois ou três, analisei rapidamente e aprovei o melhor. No dia seguinte, às 7h00 da manhã, eu e o repórter fotográfico paraibano Josenildo Tenorio, o popular Zé Preá, estávamos tomando café da manhã em Noronha.
A matéria que foi publicada mostra a revolta dos moradores e turistas com o “privilégio” concedido a ditadores.
A preço de hoje essa brincadeirinha deve ter custado uns R$ 150 mil, mas creio que valeu cada centavo. Afinal, o jornal trouxe uma notícia que nenhum outro tinha. E, na época, isso era tudo o que se queria.
Em tempo: os haitianos ficaram pouco tempo no “paraíso” tropical. Eles pediram e a França os abrigou.




















