Se Deus não o tivesse levado há cinco meses, de falência múltipla dos órgãos e velhice, para se adequar ao lugar comum, meu pai Gastão Cerquinha teria soprado, hoje, 101 velinhas. Como sinto saudade. Quanto mais o tempo passa, mais cresce a saudade dele. A saudade é emoção do espaço, tem a ver com o longe, a impossibilidade do abraço.
Quando a separação de quem a gente ama acontece, a saudade penetra como uma lâmina, instantaneamente. Dói muito. A perda do pai nos ensina o valor do tempo. Valorizar a palavra não dita, a compreensão não exercida, o convite abandonado sem resposta para momentos inesquecíveis, como um papo bem divertido, um vinho saboroso degustado sob a luz da lua.
Leia maisA maior marca do meu pai, dentre tantas, foi a forma do tratamento dado por ele aos filhos. Foi um pai presente e pai presente é como a luz que guia o peregrino durante sua longa jornada. A mim e aos meus oito irmãos – Tarso, Zeza, Fátima, Ana, Marcelo, Augusto, Gastão Filho e Denise – ajudou a escolher o melhor caminho, ofereceu o conforto, deu calor para espantar o frio, abrigo e segurança nos momentos mais difíceis da vida.
Foi não apenas pai, mas também o melhor amigo, nosso mestre, o grande amor das nossas vidas. Meu pai foi um homem como nenhum outro. Ao casar e pôr no mundo seu primeiro filho, vendeu banana na feira livre de Afogados da Ingazeira, para fugir do azedume da sapataria do seu pai, meu avô Augusto Cerquinha.
Nunca mais deixou o comércio: abriu padaria, miudezas em geral, comprou fazendas, criou gado e caprinos, ganhou muito dinheiro loteando terrenos e vendeu até loterias, tudo para dar o direito aos filhos do acesso à educação. Foi servidor público federal, vice-prefeito, vereador e escritor. Lançou três livros retratando a sua terra e seus personagens.
Com o suor de toda essa trabalheira, nos alimentou, lutou por nós, nos segurou para nos livrar das agruras da vida, gritou conosco, nos beijou, mas o mais importante: nos amou incondicionalmente. Lá do céu, sei que está olhando por mim, por meus irmãos e nos dando força, como sempre fez a vida inteira.
Hoje o céu está em festa, porque Deus coloca em seus braços um homem generoso e maravilhoso. O melhor pai que eu poderia ter. É muito triste quando se perde um pai, mas a saudade se transforma numa saudosa sensação de que ele nos deixou no caminho certo. Com certeza, lá de cima está feliz por nos ver bem.
E aqui embaixo, vou driblando a saudade, mas com a mesma chama, mais acesa do que nunca, de que meu pai sempre foi e será para sempre a minha razão de viver. Suas lições de vida continuam levadas a cabo com fidelidade, sendo motivo para todos os dias, ao levantar da cama, enfrentar a vida com a sabedoria e simplicidade dele. Um amor que me faz mais forte e me ensina a ser alguém melhor.
Leia menos


















