Por Washington Araújo
Da Revista Fórum
Os números contam a história com brutal simplicidade: das tarifas de 50% impostas por Donald Trump em julho de 2025, mais da metade já caiu. Não houve retaliação, não houve bravata. Houve diplomacia — daquela que o Brasil domina desde que aprendeu, há mais de um século, que a força da razão costuma atravessar paredes que a força bruta apenas arranha.
A reversão anunciada no dia 20 de novembro — que retirou a sobretaxa de mais de 200 produtos brasileiros, incluindo café, carne bovina, cacau, frutas e açúcar — reorganizou o tabuleiro comercial entre os dois países. Produtos que até ontem estavam punidos com 50% de sobretaxa voltaram a pagar apenas a tarifa-base americana, que varia entre 0% e 10%.
Leia maisSegundo dados atualizados do MDIC, a fatia da pauta exportadora brasileira sujeita ao pacote tarifário excepcional caiu de 35,9% para aproximadamente 12%. É um avanço concreto, com impacto imediato em cadeias produtivas inteiras. Mas não é o ponto final. Motores industriais, autopeças, máquinas e parte do setor metalmecânico continuam sob tarifas elevadas, além dos produtos afetados por regras americanas de segurança nacional, como aço e alumínio. O contencioso foi reduzido, não encerrado.
Para entender o que está em curso, é preciso revisitar o momento em que a diplomacia brasileira adquiriu a musculatura que a distingue no mundo. José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco (1845–1912), transformou a política externa em ofício rigoroso: estudava até a exaustão, cruzava mapas, revisava arquivos coloniais e articulava fatos com precisão de relojoeiro. Suas conquistas territoriais — Acre, Amapá, Pirara — foram fruto de método, não de sorte. Ele dizia que “a diplomacia é a defesa dos interesses nacionais pela força da razão”. E acrescentava: “O Brasil deve ser firme, mas jamais agressivo.” O Brasil volta a respirar esse método.
Não houve, nos últimos quatro meses, qualquer gesto de improviso. Ao contrário: diante das tarifas punitivas aplicadas pela Casa Branca, o governo montou uma frente integrada entre Itamaraty, MDIC, Fazenda e Casa Civil. Em vez de reagir com retaliações precipitadas — que apenas elevariam tensões — o país optou pelo caminho que Rio Branco chamaria de “altivez serena”: firmeza sem espalhafato, convicção sem hostilidade.
E essa escolha produziu efeito. O aumento de preços nos supermercados americanos, resultado direto da tarifa sobre alimentos, gerou pressão na política interna. Importadores, redes de varejo e setores industriais passaram a argumentar que manter o pacote tarifário prejudicava mais consumidores americanos do que exportadores brasileiros. Trump recuou. Parcialmente, mas recuou.
O Brasil, fiel à sua tradição diplomática, não humilhou, não comemorou em excesso, não transformou o recuo em espetáculo. Apenas avançou. É assim que se faz política externa eficaz: com método, e não com ruído.
A razão pela qual a diplomacia brasileira alcança resultados está na estrutura que a sustenta. O Itamaraty é uma instituição de Estado, não de governo. Seus quadros estudam história, geografia, comércio internacional, direito, línguas, tratados e precedentes. Sabem negociar porque foram treinados para isso — em um país onde, felizmente, diplomatas ainda são valorizados por conhecimento, e não por alinhamentos ideológicos passageiros.
Essa postura técnica, somada a princípios consolidados, explica o respeito global conquistado pelo Brasil:
— profissionalismo rigoroso, que produz argumentos sólidos e confiáveis;
— autonomia estratégica, que permite dialogar com todos sem submissão;
— firmeza sem agressividade, que impede escaladas desnecessárias;
— apego ao direito internacional, que oferece proteção normativa num mundo volátil;
— busca da paz como instrumento, não como ornamento retórico.
Essa fórmula — discreta, lógica, consistente — foi lapidada por Rio Branco. E, neste momento, reaparece com rara nitidez.
Com a redução das tarifas, inicia-se agora a etapa mais delicada: a remoção completa das barreiras remanescentes. O Itamaraty trabalha em várias frentes simultâneas, seguindo um roteiro que combina técnica, estratégia e cálculo político.
Entendo serem esses os próximos passos da diplomacia brasileira:
1. Ampliar a coalizão internacional.
Unir países igualmente afetados aumenta o custo político de manter tarifas sem justificativa econômica.
2. Usar o G20 e a OMC como arenas de legitimidade.
Sem confronto direto, o Brasil enquadra as tarifas como distorções que afetam cadeias globais de suprimentos.
3. Mobilizar setores econômicos americanos.
Importadores, distribuidores e indústrias norte-americanas sabem que a tarifa encareceu preços internos e prejudicou sua competitividade.
4. Negociar diretamente com o USTR e agências regulatórias.
Um trabalho silencioso, técnico, baseado em dados, mostrando onde as tarifas elevam custos para consumidores americanos.
5. Isolar o custo político das tarifas no Congresso dos EUA.
À medida que parlamentares americanos percebem a pressão inflacionária interna, cresce a tendência de rever tarifas punitivas.
Esse é o mapa. Um mapa que não promete vitórias fáceis, mas promete vitórias possíveis. E, sobretudo, vitórias duradouras.
Rio Branco costumava dizer que “a paz é a vitória da inteligência sobre a precipitação”. Em 2025, essa frase volta a ter corpo, carne e conteúdo. O Brasil não caiu na armadilha da reação impensada, não devolveu agressão com agressão, não buscou holofotes enquanto o problema exigia discrição.
Optou pelo método. E quando o Brasil escolhe o método — o método de Rio Branco — quase sempre avança.
O país não encerrou o contencioso. Mas está resolvendo-o com a ferramenta que mais o honra no mundo: diplomacia com rigor, diplomacia com serenidade, diplomacia com história.
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