Por Antônio Lavareda*
O interesse renovado a partir do pleito de 1974, já comparado em importância às eleições legislativas de 1962, por estudos eleitorais, não só tem ensejado a publicação de novos títulos específicos como trouxe à superfície, mediante levantamentos a cargo de sociólogos e cientistas políticos, um vasto acervo bibliográfico de cunho nacional concernente à produção intelectual nessa área.
Em Pernambuco, vale ressaltar, o estudo sistemático desenvolvido por nossos cientistas sociais com base nos escrutínios estaduais, iniciado há um quarto de século — quando apenas Orlando Carvalho, em Minas, tratara cientificamente o tema, posteriormente publicado em livro (1958) — autoriza, destarte, nomear-se uma tradição de sociologia eleitoral.
Leia maisO marco inicial, “Uma pesquisa de sociologia eleitoral: As eleições de 3 de outubro de 1954 no município do Recife” (1955), foi trabalho de equipe dirigida por Gláucio Veiga e Palhares Moreira Reis. A pesquisa pioneira, publicada na Revista Pernambucana de Sociologia, dirigida por Pinto Ferreira e Gláucio Veiga, objetivou construir um perfil topográfico da opinião política recifense, procurando preliminarmente estabelecer a composição social da população e sua distribuição pelos bairros da cidade.
Estratificando a população por rendimentos e classificando os bairros por estrato predominante, do cotejo com os sufrágios obtidos pelos candidatos Cordeiro de Farias e João Cleofas (postulantes ao governo do Estado) e Jarbas Maranhão, Barbosa Lima Sobrinho, João Roma e Antônio Novaes Filho (que pleiteavam a senatoria), foi obtido o índice de preferência política dos eleitores de cada bairro, decompostos os resultados oficiais por zonas e reagrupadas as seções. Uma prática de microssociologia eleitoral conforme Arambourou (1952).
João Cleofas venceu largamente no Recife, sendo seus mais poderosos bastiões, como indicou a pesquisa, os bairros de “classe média-média”, “classe média-proletarizada” e “classe proletária”, em função da atuação dos partidos de esquerda e do Partido Comunista. Conclusões a que chegaram — e que se tornariam assertiva comum nos estudos que se seguiram — ressaltam a absoluta supremacia das coligações de esquerda no município do Recife e a completa perda, pelo governo, do controle político, acompanhando a proletarização das camadas sociais médias.
Ampliando o espaço da pesquisa subsequente, os mesmos autores, à frente de equipe do Instituto de Ciências Políticas e Sociais, elaboraram “Geografia eleitoral de Pernambuco” (VEIGA et al., 1960), mapeando todo o Estado segundo os resultados expressos nos municípios-comarcas nas eleições governamentais de 1958, que envolveram Cid Sampaio e Jarbas Maranhão.
Uma dinâmica eleitoral foi estabelecida face aos pleitos de 1950 e 1954, e a caracterização ligeira da realidade socioeconômica nas três regiões fisiográficas foi dotada de certo poder explicativo para a clivagem do Estado em municípios governistas e oposicionistas — algo que passa a ser habitual nas análises subsequentes.
Superando a simples análise quantitativa, os autores abordaram os tópicos da conjuntura política local de maior incidência sobre as diversas forças sociais e buscaram referenciar a vitória de Cid Sampaio ao comportamento de variáveis político-institucionais, como o novo processo de alistamento, a utilização da cédula única e a presença de tropas federais em todos os municípios, abalando o controle do eleitorado pelos potentados locais. Também pesou o fato novo representado pela tomada de posição das “classes produtoras”, contrapondo-se à máquina política do PSD cimentada no agreste e no sertão.
As duas pesquisas citadas estabelecem a moldura das demais. Vamireh Chacon procedeu à análise dos pleitos seguintes, que assinalaram respectivamente o final da série realizada no período de normalidade democrática — reunindo os antigos partidos — e o início, nas urnas, do ciclo do bipartidarismo.
Expressão oficial, ao nível político-partidário, do regime de exceção inaugurado pelo movimento militar de 1964. Em “As eleições de outubro de 62 em Pernambuco” (1964) e “As eleições estaduais em Pernambuco em 1966” (1968), não há mudanças metodológicas sensíveis, apenas ganha espaço o exame histórico da transição. O desenvolvimento econômico é identificado como acelerador das lutas de classe, e a intervenção das forças armadas na crise, já prevista no primeiro texto, é encarada como exercício do poder moderador de que estariam investidas de fato desde 1889. A categorização “esquerda e direita” é enriquecida com seus produtos extremos, os respectivos “ultras”, responsáveis, aos olhos do autor, pelas crises institucionais ocorridas ou vindouras.
Com o bipartidarismo, passaram a ser considerados nos estudos eleitorais também os resultados obtidos pelas duas agremiações nas eleições proporcionais, antes omitidos dada a quantidade de partidos, vindo tornar factível a dedução de certos “papéis” do nosso regime eleitoral, como os de “acelerador” ou “travão”, designados por Duverger (1951) com relação às organizações políticas, usando-se os índices de evolução como criados por Leleu (1955).
O mais extenso trabalho produzido viria a ser o de Palhares Moreira Reis, “Pernambuco e sua eleição em 74” (1976), o que mais amplamente realizou as exigências preconizadas pelo Colóquio de Sociologia Eleitoral I na França, presidido por André Siegfried. Ali se faz presente um estudo da conjuntura política nacional e local, da bipolaridade do quadro partidário, análise dos candidatos ao pleito majoritário (João Cleofas e Marcos Freire), análise da campanha, reflexões sobre o eleitorado, exame da legislação — não faltando, como peça principal, a repartição dos votos pelos municípios.
Em linhas gerais, as obras mencionadas — e aquelas afins, normalmente veiculadas na Revista Brasileira de Estudos Políticos — apontam, via de regra, o modelo original da escola belgo-francesa, que define o trato científico do comportamento eleitoral fundamentalmente no esforço comparativo entre os resultados das urnas e os fatores que, em maior ou menor grau, concorrem para explicá-los.
Nesta perspectiva, os mapas eleitorais e os censos são as principais fontes de dados, fornecendo às pesquisas neles assentadas um registro de permanências ou mudanças no comportamento do eleitorado e caracterizando os redutos de cada partido. Tal método permite estudos de profundidade, como a análise das relações entre comportamento político e estruturas agrárias, influências do fator religioso ou da comunicação de massa nos resultados eleitorais — entre os assinalados por Goguel (1946) na França — ou a aferição da relação entre composição social da população e sua opção política, como estabelecida na primeira pesquisa de Gláucio Veiga e Palhares Moreira Reis ou na de Aziz Simão (1955), em São Paulo.
Semelhante também foi a fixação do elevado grau de correlação entre a proporção de assalariados e votos de extrema-esquerda, efetuada por De Smet e Evalenko (1956), estudando as eleições belgas.
Referências
- ARAMBOUROU, R. Réflexions sur la géographie électorale. Revue française de science politique, v. 2, n. 3, p. 521-542, 1952.
- CARVALHO, Orlando de. Ensaios de sociologia eleitoral. Coimbra: Coimbra Editora, 1958.
- CHACON, Vamireh. Pernambuco. In: CAVALCÂNTI, T.; DUBNIC, R. (coord.). Comportamento eleitoral no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 1964.
- CHACON, Vamireh. As eleições estaduais em Pernambuco em 1966. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 23-24, p. 83-95, jul. 1967/jan. 1968.
- DE SMET, Roger E.; EVALENKO, René. Les élections belges: explication de la répartition géographique des suffrages. Bruxelas: Institut de Sociologie Solvay, Université Libre de Bruxelles, 1956. 2 v.
- DUVERGER, Maurice. Les partis politiques. Paris: Armand Colin, 1951.
- GOGUEL, François. La politique des partis sous la IIIe République. 5. éd. Paris: Seuil, 1958. 2 v. (1. éd. 1946: 1871-1932, 1933-1939).
- LELEU, Claude. Pour une nouvelle méthode d’analyse des statistiques électorales. Revue française de science politique, v. 5, n. 3, p. 609-615, 1955.
- REIS, Palhares Moreira. Pernambuco e sua eleição de 1974. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, v. 43, p. 69-109, 1976.
- SIMÃO, Aziz. O voto operário em São Paulo. Anais do I Congresso Brasileiro de Sociologia, 1955. Reproduzido em: Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 1.
- VEIGA, Glaucio; REIS, Palhares Moreira; et al. Uma pesquisa de sociologia eleitoral: as eleições de 3 de outubro de 1954 no município do Recife. Revista Pernambucana de Sociologia, Recife, n. 2, 1955.
- VEIGA, Gláucio; REIS, Palhares Moreira; et al. Geografia eleitoral de Pernambuco. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 8, 1960.
* Cientista político
** Este artigo foi publicado originalmente no Jornal do Commercio (JC), em 2 de dezembro de 1979.