Por Wanessa Campos*
Eu me lembro bem: Governo Eraldo Gueiros. Na Casa Civil, não se falava outro assunto, a não ser a Missa do Vaqueiro que iria acontecer em julho e o comando estava com o então secretário Francisco Perazzo, deputado estadual pelo PSD. Acompanhei tudo, apesar de novata no ramo, era assessora de imprensa do secretário. As primeiras providências, como seria o espaço, o formato do altar etc. A ideia foi de Perazzo, sertanejo do Pajeú. O altar seria em forma de ferradura, pois remetia ao Sertão, ao vaqueiro.
O local ficava distante, Serrita, Sertão Central, precisamente no Sítio das Lages, mais de 540 km do Recife. E de repente fui “convocada” para viajar até Serrita ver os preparativos e fazer uma matéria. Fui. Encontrei o altar pronto, a cruz grande e branca no meio do altar, numa área imensa e descampada. Terra seca arrodeada de mandacarus e facheiros e, foi nesse cenário sertanejo aos pés da cruz que conheci o padre vaqueiro João Câncio.
Leia maisNão tinha jeito de padre, alto, forte como a sua voz, usava calça jeans um gibão de couro e botas. Nada lembrava um sacerdote. Me aproximei e me apresentei. Sorriu e pediu que sentasse ao seu lado nos degraus do altar e começou a falar da missa que era um grito de protesto contra as injustiças impostas ao sertanejo na figura do vaqueiro. E como símbolo estava Raimundo Jacó, um vaqueiro da região tido como assassinado por um companheiro.
A ideia da missa foi de pronto aceita por Luiz Gonzaga e pelo poeta Pedro Bandeira. O trio cuidou do evento que resultou em sucesso como atração turística. O padre cuidava da liturgia, Luiz Gonzaga da música e Pedro Bandeira do texto a ser lido durante a cerimônia.
Padre Câncio me confessou durante a entrevista, que os vaqueiros eram os últimos, assim como os padres e justificava: padres deixariam as batinas por conta do celibato e os vaqueiros seriam organizados por meio de sindicatos. Fiz a matéria.
Voltei ao local para assistir a primeira missa no dia 27. Vi um belo espetáculo: vaqueiros encourados se aproximando montados em seus cavalos e se posicionando em um grande círculo, com as roupas características: gibões, perneiras, chapéus etc.
Uma das cenas mais bonitas da cerimônia foi o Ofertório, quando os vaqueiros depositavam no altar seus apetrechos do dia- a- dia. Selas, bornais, chapéus, berrantes etc. Na Comunhão, a hóstia foi substituída por pedaços de rapadura. Belíssimo. Tudo ao som das músicas criadas por Luiz Gonzaga, intercaladas pelos poemas de Pedro Bandeira e os aboios dos vaqueiros. A missa resultou em verdadeiro show. Criou fama e virou atração turística até hoje.
Anos depois, o repórter Carlos Laerte, do Jornal do Commercio esteve no Sitio das Lages e ouviu outra história: Raimundo Jacó não foi assassinado. Teve um enfarte e bateu com a cabeça numa pedra. Jacó e Miguel Lopes, seu companheiro não conseguiram localizar a rês e Miguel voltou só. Levou a culpa calado da morte de Miguel. Os dois estavam em busca de uma vaca perdida.
Mais adiante, padre Câncio deixou a batina parar casar com Helena a moça mais bonita do lugar. Morreu anos depois, mas deixou o legado: a sua Missa do Vaqueiro. Hoje, sob comado de Helena, sua viúva que não deixa a famosa missa desparecer nos moldes primitivos, mas com algumas inovações como pede os novos tempos.
*Jornalista
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