Nasci no mato, na caatinga, entre o avelós e o mandacaru, mas nem por isso tenho razão de não me apaixonar pelo azul infinito do mar. Já minha Nayla nem de sargaço gosta, é pura flor do mandacaru, mulher guerreira, presa às suas raizes. Tem cheiro de marmeleiro, a beleza e sensualidade de um beija-flor.
É daquelas sertanejas com alma que flerta os lírios do campo. Valoriza a vida, a simplicidade da gente que tem paz fazendo a conexão com a natureza. Que se encanta e se emociona com a beleza do nascer do sol, o canto dos pássaros, a satisfação de plantar e colher. No pomar de nossa choupana em Arcoverde rega as plantas com um sorriso largo.
Leia maisComo matuto também, do santuário Pajeú das flores, onde todas as almas são de cantadores, entendo perfeitamente a alma sertaneja da minha Nayla. O Sertão é mais do que um lugar, é um sentimento de paz e pertencimento. Como disse João Guimarães Rosa, o Sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o poder do lugar.
Em “Grande Sertão e Veredas”, João Guimarães Rosa, outro gigante que pintou o sertão de todas as cores, fala do encorajamento para a vida que só se observa numa gente que tem o sangue da resistência na veia e no coração: “O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”. Com o tempo, dou todas as razões para minha Nayla: é em Arcoverde, onde o meu tempo desacelera, que a felicidade se encontra nas pequenas coisas da vida.
É onde o meu coração encontra seu lugar, longe da correria do mundo. A vida é feita de batalhas, ninguém compreende melhor isso do que ela, mas nem por isso precisamos viver num campo de guerra. Se o nosso campo não planta, a cidade não janta. A colheita vem para quem tem a paciência de cultivar, que está na simplicidade do homem do campo, não entre os homens que guerreiam nos perímetros urbanos, no asfalto quente e de noites sem orvalho.
Melhor viver entre o canto dos pássaros e o vento nas árvores, com um luar na roça a contemplar até adormecer. Para mim, a natureza é inspiração, poesia em forma de paisagem, e o refúgio onde a alma encontra sossego. Se me pedirem para reduzir ao essencial a diferença entre o campo e a cidade, então aí está ela: o efeito que tem em nós uma sirene no horizonte. No campo, a sirene vem do canto dos pássaros.
É no Sertão, para os que não entendem a sua rica cultura que se instala no mato e brota nos roçados, que as abelhas fazem mel enquanto o sol brilha, onde o riso é um raio de sol da alma, onde as flores sempre tornam as pessoas melhores, mais felizes e mais prestativas. Luz do Sertão é alimento e remédio para a mente.
A força que vem de dentro da alma sertaneja de minha Nayla é a mesma que fez Cora Coralina transportar o seu Goiás para o nosso Sertão. “Eu sou aquela mulher a quem o tempo muito ensinou. Ensinou a amar a vida e não desistir da luta, recomeçar na derrota. Fiz a escalada da montanha da vida removendo pedras e plantando flores”.
O grande José de Alencar enxergou um Sertão de conflitos sociais e políticos. A paisagem árida é um elemento central na sua obra. A seca, a terra e a caatinga são elementos descritos e que moldam a vida de seus personagens. Mas a força do sertanejo se sobrepõe a tudo isso, até mesmo ao mundo imaginário de José Alencar, que viu que o sertanejo é antes de tudo um forte.
Forte porque não desiste nunca. Forte porque a sua força é maior do que qualquer estiagem. Forte porque o sertanejo planta com fé onde falta água, recomeça quantas vezes for preciso. É mais forte ainda porque é no chão rachado onde ele semeia o amor.
[arte: Eduardo Lima]
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