Por Aldo Paes Barreto
Se por acaso pertencesse ao círculo de amigos dos correligionários do presidente Lula ou, pelo menos, constasse da enorme lista dos áulicos, presentearia o presidente com uma pequena cesta de Natal. Alguns livros — “O Jogador” e o “O Idiota”, entre eles — ambos de Dostoievski, que integram a relação dos principais romances clássicos da literatura universal.
Do primeiro, ainda pinçaria uma frase que Lula pudesse se identificar de alguma forma com a experiência vivida pelo personagem do livro:
“Experimentava uma espécie de febre, e joguei todo aquele monte de dinheiro no vermelho — quando, de chofre, recobrei a consciência ”.
Leia maisDostoievski sabia das coisas. Ele era viciado em variados tipos de apostas. Vou rezar para que o nosso presidente leia os livros — o que parece não ser do seu feitio, ao contrário do Grande Pepe Mujica, que ele visitou recentemente — e entenda o malefício dessa prática criminosa que tomou conta do Brasil e dos brasileiros mais pobres: o jogo online. As casas de apostas virtuais — as chamadas “bets” — que dominam o mercado da jogatina, estão contaminando o futebol, tirando a alegria do povo.
Sou torcedor de sofá, acompanho os jogos pela televisão. Há alguns anos, a violência, o desconforto e a idade foram me afastando dos estádios. Agora, estou perdendo de vez o interesse diante dos lances grotescos que influenciam o resultado da partida: jogadores experientes expulsos aos primeiros minutos do jogo, cometendo penalidades infantis, parentes ganhando dinheiro com lances combinados. O futebol, a alegria do povo, está cada vez mais perto da esperteza anunciada, da pobreza desonrada.
Segundo estimativas do Banco Central, este ano já foram transferidos via Pix para casas de apostas entre R$18 bilhões e R$21 bilhões. É muito dinheiro. A maioria dos apostadores é constituída por jovens. Eles gastam cerca de R$100, a cada semana, enquanto os mais velhos ultrapassam os R$3 mil mensais em apostas, sobretudo nas variações dos jogos de futebol.
O vício é antigo e universal. O nosso jogo do bicho está ligado aos mais diversos crimes de violência. As casas de apostas dominam a publicidade nas televisões, contaminam os clubes, empobrecem os apostadores. As casas de apostas online, populares “bets”, estão em todos os lugares. Em campo, 15 dos 20 times da primeira divisão do Campeonato Brasileiro têm patrocínio máster ligado a alguma casa de apostas. Ninguém está a salvo. Aos mais jovens, o celular está sempre disponível.
O ganho fácil e a cobiça atraem as pessoas e o imediatismo dos caça-níqueis ou uma roleta girando são poderosos afrodisíacos. O apostador é o doente que quer levar vantagem em tudo. Raramente consegue. Ao longo da História, vários governantes tentaram proibir os jogos. No Brasil, o maior obstáculo foi criado pelo então presidente Dutra.
Eleito democraticamente, depois da ditadura Vargas, o marechal Eurico Gaspar Dutra (1946-1951) encontrou o país convivendo com as mais variadas formas de jogo. Os cassinos funcionavam livremente nas principais cidades, estâncias hidrominerais. No Recife, as roletas giravam no Grande Hotel. No Rio de Janeiro, no Casino da Urca, e em Petrópolis, no famoso Hotel Quitandinha.
Conservador, o general Dutra era incentivado a fechar os cassinos pelas lideranças católicas e pela esposa, religiosa e tradicionalista. Atendeu à mulher, dona Santinha. Fez bem. Em abril de 1946, decretou a proibição dos cassinos. Hoje, a primeira dama, dona Janja, exerce — garantem os vigilantes xeretas dos palácios de Brasília — influência semelhante sobre o marido. Poderia usá-la em favor do banimento dessas apostas online.
Não vai ser tarefa fácil. Lula não é Dutra; dona Janja, nenhuma dona Santinha.
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