Por Leonardo Sakamoto
Do UOL
Acostumado a abandonar aliados na beira da estrada quando deixavam de serem úteis, Jair Bolsonaro teve um gostinho do que é ser largado à própria sorte. Os advogados dos generais Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira jogaram o ex-presidente na fogueira para livrar os pescoços de seus clientes. Todos são réus na ação penal sobre a tentativa de golpe.
Andrew Farias, defensor de Paulo Sérgio disse, várias vezes, que o seu cliente tentou tirar a ideia de golpe da cabeça do então presidente. “Costumo dizer que o general atuou sim, mas atuou contra”, afirmou. Tanto que, ao final, a ministra Cármen Lúcia o questionou diretamente sobre isso e ele reafirmou o que havia dito.
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Considerando que não se tratava de um aspone qualquer, mas do ministro da Defesa, e que um advogado não fala nada antes de combinar muito bem com seu cliente, a declaração reforça a acusação e bota Jair mais perto da cadeia. Entretanto, sempre bom lembrar que o ministério do general pressionou o TSE em busca de algum problema nas urnas eletrônicas que justificasse o golpismo de Jair (não encontrando, claro). E ele estava presente em reunião em que foi discutida a minuta do golpe no final de 2022.
Já o advogado Matheus Milanez tentou vender a tese de que Heleno, um dos mais próximos assessores do então presidente, afastou-se da cúpula decisória de Bolsonaro com a chegada do centrão ao governo. Não apenas isso, como também “perdeu a influência” após a filiação do chefe ao PL.
Defendeu que, no curso da intentona, “nenhum militar foi procurado pelo general Heleno” e “nenhum militar foi pressionado”. Ou seja, ema, ema, ema, cada um com seu problema.
Claro que isso é feito com uma boa dose de cinismo. Augusto Heleno seguia próximo a Bolsonaro no fim do governo. Tanto que defendeu o golpe na reunião ministerial de 5 de julho de 2022: “Não vai ter segunda chamada de revisão. Não vai ter revisão do VAR. O que tiver que ser feito, vai ter que ser feito antes das eleições. Se tiver que virar a mesa, é antes das eleições. Depois das eleições será muito difícil que tenhamos alguma nova perspectiva”, afirmou.
Heleno contou que pretendia infiltrar agentes da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) nas campanhas de Lula e Bolsonaro. “O problema todo disso é se fazer qualquer coisa. Se houver qualquer acusação de infiltração desse elemento da Abin em qualquer um dos lados…”, disse antes de ser interrompido pelo próprio Jair, que pediu para o assunto ser tratado de forma privada.
O general parece não ter entendido o recado e passou a tratar de algo ainda mais sensível, a necessidade de dar um Hadouken na democracia antes das eleições. E veio a história da virada de mesa. E ele foi além: “Vai chegar um ponto em que não vamos poder mais falar, vamos ter que agir. Agir contra determinadas instituições e determinadas pessoas, isso para mim é muito claro”. Para a gente também, general.
De um lado e de outro, não há santos ou inocentes. Todos sabiam muito bem o que significa cravar um punhal verde e amarelo no coração da democracia. Agora, que o xilindró dá aquela piscadela aos envolvidos, essa disputa fratricida ajuda a revelar detalhes úteis para a Justiça. Cármen Lúcia percebeu e destacou isso.
Na política, a traição é o maior dos pecados. Tanto que o bom político é visto como aquele que cumpre acordos, independentemente do quanto isso lhe custe. Bolsonaro é visto como traidor de aliados próximos para tentar salvar a própria pele, basta ver a quantidade de pessoas que ele abandonou no meio do caminho. A imensa lista inclui, por exemplo, o general Santos Cruz, Gustavo Bebianno, Paulo Marinho, Major Olímpio, entre outros, durante seu governo.
Por fim, o golpe, vale lembrar, não surgiu de um Bolsonaro que contaminou os militares ou de militares que manipularam o pobre Jair, mas é fruto de uma parceria.
Nos seus quatro anos de governo de Jair, os militares tiveram cargos, vantagens na Reforma da Previdência, licitações suspeitas de produtos para levantar o moral do oficialato. Eles se beneficiaram de Viagra e próteses penianas, mas também de camarão e filé mignon e continuaram ganhando pensões especiais para filhas não casadas e acesso a hospitais especiais. Coronéis articularam bizarras reuniões em que se negociou com reverendos, servidores públicos e indicados de políticos, sobrepreço e propinas para a compra de doses de vacina contra a covid-19 enquanto pessoas morriam por falta de imunizante.
Há militares legalistas que se moveram para impedir o golpe bolsonarista, inclusive eles foram duramente atacados pelos militares golpistas, como mostram as investigações. Mas é importante ressaltar que muitos militares formaram um dos pilares do bolsonarismo. O ex-presidente não criou a extrema direita golpista, apenas deu a ela organização e sentido através de sua eleição em 2018. Inclusive nas Forças Armadas.
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