A transformação do desfile militar de 7 de Setembro em palanque da campanha à reeleição de Jair Bolsonaro (PL) justifica a abertura de uma investigação contra o presidente por abuso de poder político e econômico, avaliam especialistas, procuradores e ex-ministros do TSE ouvidos reservadamente pela equipe da coluna de Malu Gaspar, do O Globo.
Um ex-ministro do TSE avalia reservadamente que já há elementos para se pedir uma investigação judicial eleitoral.
Leia maisEsse tipo de ação não dependeria apenas de uma iniciativa do procurador-geral da República, Augusto Aras: ela também pode ser movida por adversários políticos de Bolsonaro que tenham se sentido prejudicados na disputa.
“Se vai ficar caracterizado (o abuso), dependerá das provas que produzirem. Basta lembrar o caso dos disparos de WhatsApp de 2018. Todos concordaram que havia irregularidade, mas julgaram a ação improcedente por falta de prova”, frisa.
Para o advogado Renato Ribeiro de Almeida, Bolsonaro valeu-se de sua condição de presidente “não para rememorar a Independência e seu significado histórico a todos os brasileiros, mas para transformar os atos oficiais em atos de campanha”.
“Houve abuso de poder político. Lamentavelmente, os atos que deveriam ser cívico-militares estão sendo usados pelo presidente da República como atos políticos. Há clara confusão entre um ato cívico-militar, institucional, de Estado, com a campanha à reeleição”, diz.
O advogado Neomar Filho, também especialista em direito eleitoral, concorda. “Em sua fala durante a comemoração do 7 de setembro, Bolsonaro utilizou do cargo que ocupa e de um evento oficial, com transmissão e repercussão por toda a imprensa, inclusive pela TV Brasil, para propagar suas convicções políticas e direcionar ao processo eleitoral deste ano”, avalia.
“Fez forte referência a sua gestão e convocou a população às urnas. O discurso de Bolsonaro acaba por sugerir um desvio de finalidade do que deveria ser um discurso de chefe de Estado”, acrescenta.
Um dos pontos destacados pelos especialistas é que a parada militar na Esplanada dos Ministérios reuniu milhares de pessoas. Após o evento oficial, Bolsonaro seguiu em direção a um trio elétrico que o aguardava a poucos metros de distância, atraindo o mesmo público para um comício eleitoral.
Nesse segundo ato em Brasília, o atual ocupante do Palácio do Planalto criticou o Supremo Tribunal Federal (STF), comemorou a redução do preço da gasolina e o pagamento do Auxílio Brasil para a população pobre, além de defender a “luta do bem contra o mal”, em referência ao seu maior adversário, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“Houve um evento oficial, que atraiu muita gente, com despejo de recurso público para criar superestrutura para esse evento naquele contexto. Ato contínuo, quase no mesmo espaço, você teve um evento particular, de campanha, que teve aquela repercussão e alcance em grande parte graças a tudo que tinha acontecido antes”, destaca Volgane Carvalho, secretário-geral da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).
Um ex-integrante da cúpula da Procuradoria-Geral da República (PGR) considera o abuso de poder político “claríssimo”. “Apesar de formalmente o discurso não ter sido feito do palanque oficial, foi obviamente instrumentalizado a partir do evento oficial que se deu momentos antes”, afirma.
Ou seja: mesmo que a campanha de Bolsonaro tenha tentado dissociar o desfile militar do palanque no trio elétrico depois, é como se tudo fosse uma coisa só.
“Os atos concomitantes, o institucional e o político, em Brasília, atingiram um só publico, precedido de um desfile militar das Forças Armadas, pracinhas e, especialmente, do presidente-candidato em carro aberto, porquanto não há dúvidas quanto a utilização da estrutura e valores públicos”, ressalta o advogado Fernandes Neto.
Na avaliação da advogada Nicole Gondim Porcaro, Bolsonaro desviou a finalidade de um evento oficial de comemoração do Bicentenário da Independência para fazer discurso “eleitoreiro antidemocrático e conclamando a exaltação a si mesmo”, desvirtuando os princípios que regem a administração pública.
“Para isso, utilizou imenso aparato público mobilizado para o bicentenário, o que também pode configurar abuso de poder econômico. As ações são graves e comprometem a isonomia entre os candidatos”, opina.
Procurada pela equipe da coluna, a campanha de Bolsonaro ainda não se manifestou sobre as críticas.
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