Apesar dos abusos de Trump, o investidor recomenda que Moraes recorra ao Judiciário americano para reverter o que considera uma má aplicação da Lei Magnitsky. Nesta sexta-feira, o ministro afirmou que vai ignorar a sanção americana.
— Essa má aplicação não ajuda a Lei Magnitsky. Se alguém é incluído na lista de sanções por razões políticas, da próxima vez que um assassino em massa entrar na lista, ele vai dizer que isso não significa nada porque a lei está sendo usada com uma série de objetivos diferentes. Vai dizer que não é um assassino — diz Browder.
O inglês, que chegou a ser o maior investidor privado da Rússia no início do governo de Vladimir Putin, tornou-se um dos principais desafetos do regime russo já em meados dos anos 2000. Hoje, vive em Londres, onde diz receber ameaças de morte, mas segue em campanha para aprovar mais leis Magnitsky ao redor do mundo. Browder conta sua versão sobre seu rompimento com o regime russo e a perseguição que alega sofrer nos livros “Alerta vermelho: Como me tornei o inimigo número um de Putin” e “Ordem de bloqueio: Uma história real sobre corrupção e assassinato na Rússia de Putin”, publicadas no Brasil pela Editora Intrínseca.
Leia a entrevista a seguir:
O senhor atuou fortemente para que a Lei Magnitsky fosse aprovada. Por que considera que a aplicação dessa norma ao ministro Alexandre de Moraes é inadequada?
É injusta. É bastante óbvio que a razão pela qual Donald Trump decidiu aplicar a Magnitsky ao ministro Moraes é o presidente americano estar bravo pelo fato de o juiz estar envolvido no processo contra o ex-presidente do Brasil Jair Bolsonaro por golpe de Estado. Isso não é base legal, não pode ser a razão para sancionar alguém.
A Lei Magnitsky é uma norma que leva o nome do advogado Sergei Magnitsky, que foi morto pelo regime de Vladimir Putin para encobrir casos de corrupção. É uma lei que foi desenhada para punir pessoas que são claramente culpadas de óbvios e inaceitáveis casos de abusos dos direitos humanos em larga escala. Várias centenas de pessoas têm sido sancionadas ao redor do mundo, e alguns dos piores violadores de direitos humanos entre eles.
Em que casos a lei já foi importante?
A lei sancionou pessoas que estão envolvidas, por exemplo, na organização de campos de concentração em Xinjiang, na China. Também puniu pessoas envolvidas com a execução em massa da minoria Rohingya, em Nianmar. Portanto, é uma lei feita para coibir os mais óbvios e graves abusadores de direitos humanos e garantir que eles não fiquem impunes.
Como um das principais vozes que viabilizaram a lei, como se sente ao ver a deturpação de sua aplicação?
Eu literalmente passei os últimos 15 anos da minha vida viajando em tempo integral ao redor do mundo, realizando encontros com governos e parlamentos para fazer com que leis Magnitsky passem em diferentes países. E de fato, hoje já são 35 países com leis do tipo e tenho trabalhado para que mais países adotem a lei. Tem sido o trabalho da minha vida em memória de Sergei Magnitsky, que morreu aos 37 anos de idade por ter enfrentado a corrupção na Rússia de Putin. Mas é sempre muito importante para mim que só tenham uma Lei Magnitsky aqueles países que tenham Estado Democrático de Direito que possam utilizá-la apropriadamente. Sinceramente, eu jamais poderia imaginar que os Estados Unidos se tornariam um país que, você sabe, seria tão suspeito quanto a Tailândia ou a Turquia, institucionalmente falando.
Embora a lei tenha um propósito nobre, há críticas ao fato de as sanções serem aplicadas por decisão do presidente, sem processo legal. Na sua opinião, o caso de Moraes evidencia uma debilidade da lei?
Não. Acho que a lei é muito clara, estipula quais categorias de delitos e pessoas que devem ser sancionadas. E, até agora, todos os que foram sancionados no marco da Magnitsky se enquadram nesses critérios. Por isso, não penso que a lei precisa ser modificada. Acho que o juiz brasileiro que foi alvo deveria recorrer ao Judiciário e apelar contra as sanções, porque de fato a lei está sendo mal aplicada no caso dele.
Por que Moraes deveria recorrer ao Judiciário americano?
Sim, obviamente as cortes dos Estados Unidos não se reportam ao Donald Trump. E elas têm emitido decisões contra ele em 96% dos casos.
Como o senhor mencionou, há leis similares à Magnitsky em dezenas de países, entre eles Reino Unido, União Europeia e Austrália. Na sua visão, há risco de as sanções a Moraes serem replicadas fora dos EUA?
Eu estou 100% seguro de que outros países não vão aplicar essas sanções a Moraes.
Qual tem sido seu papel na disseminação dessa lei mundo afora?
Meu trabalho tem sido viajar a países que não têm ainda uma Lei Magnitsky e encontrar parlamentares que sejam simpáticos à ideia de aprovar uma norma do tipo. Meu argumento é muito simples: você acha que seu país deve permitir que torturadores e assassinos entrem no país, e deve permitir que eles usem o sistema bancário e gastem seu dinheiro aqui? E em cada país que visito e digo isso tem respondido que obviamente a resposta é não, não devemos permitir torturadores e assassinos.
E qual é o resultado?
Quando pessoas más são sancionadas, realmente ficam bravas, porque pensavam que eram intocáveis e percebem que não o são. Agora, essa má aplicação (no caso de Moraes) não ajuda a Lei Magnitsky. Se alguém é incluído na lista de sanções por razões políticas, da próxima vez que um assassino em massa entrar na lista, ele vai dizer que isso não significa nada porque a lei está sendo usada com uma série de objetivos diferentes. Vai dizer que não é um assassino.
Só nos Estados Unidos, mais de 600 pessoas já foram incluídas na lista de sanções da Magnitsky. O senhor considera que o caso de Moraes é o primeiro em que a lei foi desvirtuada?
Sim, eu penso que sim. É o primeiro abuso claro do uso da Magnitsky.
Críticos da lei dizem que ela tem a ver mais com vingança do que reparação de crimes. Qual a sua visão sobre isso?
A Lei Magnitsky é sobre evitar impunidade. Quando as pessoas de certos países como a Rússia, onde o governo é efetivamente criminoso e as pessoas podem ser assassinadas sem qualquer consequência legal, a lei cria essas consequências. E se fosse sobre vingança, não haveria tantos países no mundo adotando essa lei.
Após as críticas à inclusão de Moraes no marco da Magnitsky, o senhor tem recebido ataques nas redes?
Sim, mas primeiramente, eu não me importo com o que um monte de robôs fakes fale sobre mim no X. Em segundo lugar, eu enfrento muito mais perigo de ataques digitais do governo russo ao longo dos últimos 15 anos, com ameaças de morte, e coisas desse tipo.
O senhor vive em Londres. Teme por sua segurança ainda?
Sim, absolutamente. Eu recebo ameaças.
Leia menos