*Por Manoel Guimarães
Dez anos atrás, eu era escalado para um plantão, no sábado pela manhã, na Folha de Pernambuco. Quem já trabalhou em redação sabe que se trata do dia mais monótono da semana. Até por conta disso, só éramos convocados para situações especiais. E a história nos reservara uma delas.
Naquela matina, nos dirigimos ao bairro do Parnamirim para a inauguração do comitê do então candidato a vereador do Recife, Jarbas Filho. O local e o evento eram um pano de fundo. Estavam ali, no palco, dois ex-rivais políticos que se digladiavam por duas décadas: o então governador Eduardo Campos e o senador e ex-governador Jarbas Vasconcelos, pai do anfitrião. Dois anos antes, Eduardo derrotaria Jarbas em sua reeleição, com quase 3 milhões de votos de diferença.
Leia maisJarbas abriu os discursos. Exaltou as qualidades do filho, que enfrentaria as urnas meses depois. Mas logo partiu para o que nós da imprensa estávamos ávidos por ouvir: a reconciliação com Eduardo. Sua volta do “caminho da perdição”, pecha cravada pelo ex-governador Miguel Arraes, avô de Eduardo, com quem Jarbas travara lutas pela democracia e depois pelo controle da política estadual, que descambaram para o campo pessoal.
Eduardo falaria logo depois, mantendo o tom dos discursos históricos. Sem querer querendo, abrira ali uma fratura que nunca sarou: ao se juntar com o PMDB, o PSB passaria a viver às turras com o PT, já que ambos os caciques justificavam a aliança pelos sucessivos erros do PT no Recife. “O PT abusou de errar e deixou o Recife humilhado”, bradava Jarbas, sob a concordância de Eduardo.
Meses antes, o PT implodiu por conta de uma prévia sem vencedor, onde o senador Humberto Costa acabou indicado como candidato a prefeito, mas foi abandonado pelo PSB, que investiu tudo na candidatura de Geraldo Julio. O “caos ideal” que um então presidenciável Eduardo Campos precisava para se diferenciar do PT e buscar espaços para concorrer ao Planalto. Um voo incompleto mudaria os rumos, mas essa é outra história.
Terminados os discursos do evento, os dois viriam juntos para uma entrevista com os repórteres. A pergunta principal era óbvia, e não me furtei a fazê-la: “Senador, o senhor voltou do caminho da perdição?”. Sucederam risos e uma fuga estratégica. Mas era natural. Eduardo e Jarbas não queriam mexer em temas espinhosos. Era tudo muito recente e ainda havia melindres. O tempo ajustaria as coisas para que ambos convivessem bem.
Passada a eleição, Jarbas e Eduardo deram outras demonstrações de que tinham deixado o passado para lá, ou ao menos muito dele. Eles já vinham conversando antes daquele sábado, mas sempre com total discrição. Uma entrevista do senador fazendo elogios ao governador chamaria a atenção. Cumprimentos em baile de Carnaval, visita institucional no Senado e retirada de processos judiciais de um contra o outro foram alguns capítulos daquela novela, que ganharia um desfecho com holofotes naquele sábado.
É uma pena que o contato retomado tenha durado pouco. Eduardo nos deixaria em 2014, no mesmo agosto, mês do aniversário de ambos. Pernambuco desfrutou pouco daquele entendimento. Mas a história seguirá sendo contada.
*Jornalista
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