Na relação com a Imprensa, Miguel Arraes também recorria ao humor como uma ciência para sair de situações adversas e criar relações mais próximas. Mas nem sempre levava vantagem nas tentativas de dribles para fugir de jornalistas em entrevistas no estilo cara a cara.
Jornalista extremamente preparado, perspicaz e tarimbado, autor de livros que incomodam poderosos, entre eles “O que sei de Lula”, atual mandatário do País, José Nêumanne Pinto conhecia como ninguém as “manhas” de Arraes e por isso mesmo foi escolhido pelo Estadão como enviado especial ao Recife para uma entrevista com então governador Miguel Arraes, no seu segundo mandato – 87-91.
Leia maisO velho mito recebeu Nêumanne na varanda do Palácio do Campo das Princesas, cenário com vistas para os jardins, tendo apenas o canto dos pássaros para quebrar o silêncio. Principal jornal de São Paulo, no qual o jornalista atuou por muito tempo, na condição de repórter, colunista e, numa fase seguinte, editorialista, o Estadão havia reservado uma página para a entrevista de Arraes na edição domingueira, que vendia como batata na feira.
Nêumanne tinha uma pauta a cumprir e Arraes, que já o conhecia de outros carnavais, só falava sobre amenidades, embora no papo algumas perguntas da pauta já estivessem sido jogadas pelo experiente jornalista. E nada de Arraes responder ou entrar na temática.
Foi aí que Nêumanne, sagaz, recebeu igualmente o espírito da genialidade. Pegou o bloco de anotações e começou a escrever sem parar, mesmo Arraes não respondendo nada, porque o seu intuito era não dar a entrevista.
E quanto mais Nêumanne anotava, mas passada as páginas do seu bloco uma a uma numa velocidade de escrita impressionante. Arraes só observava, com os olhos esbugalhados, como se dissesse que danado tanto ele escreve aí sem eu dizer nada?
Nêumanne escrevia e olhava para o velho, mas o velho calado e em estado de choque. Num determinado momento, Arraes pergunta: “O que é que você tanto escreve aí?”
Sua entrevista, governador, respondeu o jornalista. Vendo que havia caído numa saia justa, Arraes abriu a negociação: “Espera aí. Eu não falei nada e você continua escrevendo?”
Nêumanne olhou em direção a Arraes e disse: “Sim, doutor Arraes, estou escrevendo a entrevista no estilo adivinhação do seu pensamento, tendo em vista que o senhor nada responde”.
Arraes deu uma gargalhada, resolveu falar, mas continuou a enrolar Nêumanne e no domingo, quando abriu o Estadão, que chegava ao Recife no início da tarde, tomou um choque com uma entrevista dele de página inteira.
Pediu para o ajudante de ordens localizar o jornalista em São Paulo para tomar satisfação. Quando Nêumanne atendeu, Arraes disse: “Nêumanne, a entrevista está perfeita. Você já pode se candidatar a ser meu “Ghostwriter” (escritor fantasma).
Leia menos