Dentre os condenados, 25 responderão pelos cinco crimes imputados pela PGR (Procuradoria-Geral da República): organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado ao patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.
Outros dois foram condenados apenas por alguns desses crimes, e houve duas desclassificações para delitos mais leves (incitação ao crime e associação criminosa), com possibilidade de acordo para evitar prisão.
Apenas dois réus foram totalmente absolvidos: o general Estevam Cals Theophilo, ex-chefe do Comando de Operações Terrestres do Exército, e o delegado Fernando Sousa de Oliveira, ex-diretor de Operações do Ministério da Justiça.
Na fase de instrução penal das ações (produção de provas) foram ouvidas 154 testemunhas, realizados os interrogatórios de todos os réus e apresentadas sustentações orais por todas as defesas.
Os advogados questionaram principalmente a imparcialidade do ministro Alexandre de Moraes, a competência do Supremo para julgar pessoas sem foro privilegiado e a validade da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, apontando contradições e descumprimentos do acordo.
O processo, porém, seguiu. A delação foi validada e utilizada como prova. Apesar de condenado por todos os crimes, Cid recebeu pena de dois anos de prisão em regime aberto. Ele não perderá a patente militar e deverá estar livre em até um ano e meio.
No núcleo de Bolsonaro (1) e da desinformação eleitoral (4) houve a voz dissonante do ministro Luiz Fux, que surpreendeu votando pela absolvição de quase todos os réus, incluindo o ex-presidente. O ministro, porém, decidiu deixar a Primeira Turma em outubro, fazendo com que os outros dois núcleos tivessem resultados unânimes.
Penas
As penas definidas pela Corte para os outros réus variam de 1 ano e 11 meses a 27 anos e 3 meses de prisão. A maior pena foi aplicada a Jair Bolsonaro, considerado pelo STF o líder da organização criminosa.
Durante o processo, o ex-presidente chegou a confessar que discutiu a implementação de medidas de exceção, como a GLO (Garantia da Lei e da Ordem), após o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) rejeitar uma contestação do PL (Partido Liberal) sobre as eleições do primeiro turno. Bolsonaro admitiu ainda que lhe foi apresentada uma minuta com “considerandos” que previa essas medidas.
A segunda maior pena, de 26 anos e 6 meses, foi imposta ao general Mario Fernandes, autor confesso do plano para matar Lula, Geraldo Alckmin (PSB) e Alexandre de Moraes.
O plano, documentado, impresso e entregue a Bolsonaro, previa o envenenamento dos alvos em dezembro de 2022 e o uso de um arsenal de guerra (com pistolas, fuzis, metralhadora e um lança-granadas) seguido da implementação de um gabinete de crise formado essencialmente por militares.
O núcleo do ex-presidente é o único com o processo já finalizado, sem possibilidade de novos recursos. Bolsonaro e outros seis aliados já estão presos e iniciaram o cumprimento das penas. Os demais núcleos ainda aguardam a publicação do acórdão para apresentar o primeiro recurso.
Esta foi a primeira vez na história do país que um ex-presidente e militares foram condenados criminalmente por tentativa de golpe. Além da prisão, os condenados perderam cargos públicos, poderão perder posto e patente militares, ficarão inelegíveis e deverão pagar multa por danos morais coletivos.
Repercussão
O caso teve repercussão internacional. Em julho, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, defendeu Bolsonaro e seus aliados e impôs sanções ao ministro Alexandre de Moraes.
A interferência americana atingiu outros ministros, familiares e auxiliares do relator. O gabinete de Moraes perdeu funcionários, e as sanções pesaram inclusive para a aposentadoria antecipada do ex-presidente do Supremo Luís Roberto Barroso.
As sanções foram retiradas na última semana, após articulação entre Trump e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente e principal articulador das sanções, tornou-se réu por coação no curso do processo e deverá responder judicialmente no próximo ano. Ele está nos Estados Unidos.
Na sessão desta terça-feira, que encerrou não apenas o julgamento do plano de golpe, mas também as atividades da Primeira Turma neste ano, Moraes fez um discurso em defesa do processo.
O magistrado disse que a fixação das penas para os envolvidos nos ataques de 8 de janeiro e no plano de golpe deve deixar claro que o Brasil não tolera investidas contra a democracia e as instituições.
A declaração foi feita após a Câmara dos Deputados aprovar o PL da Dosimetria, que reduz penas dos condenados por atos antidemocráticos e pode beneficiar Jair Bolsonaro. O texto está sob análise do Senado.
O ministro havia prometido, em agosto, julgar todos os núcleos do plano de golpe ainda neste ano. O objetivo, segundo apurou a CNN Brasil, foi impedir que um tema de forte polarização se estendesse para o ano eleitoral. Para isso, a pauta das sessões presenciais da Primeira Turma ficou concentrada exclusivamente nas ações sobre o caso.
No próximo ano, com o encerramento dessas ações, a Primeira Turma deve se dedicar ao julgamento dos mandantes do assassinato de Marielle Franco, casos de desvio de emendas parlamentares e o processo de Eduardo Bolsonaro.
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