Por Cláudio Soares*
A controvérsia em torno da decisão do ministro Gilmar Mendes, segundo a qual apenas o Procurador-Geral da República teria legitimidade para apresentar pedido de impeachment contra ministros do Supremo Tribunal Federal, reacende um debate que há anos se arrasta nos corredores de Brasília: quem controla os controladores?
A Constituição é objetiva ao atribuir ao Senado Federal a competência privativa para processar e julgar ministros do STF por crimes de responsabilidade. O texto do artigo 52 não estabelece intermediários, nem condiciona essa prerrogativa a prévia filtragem do Ministério Público. Ao contrário, consagra o Senado como instância de contenção e responsabilização política dos membros da mais alta Corte.
Leia maisAo impor que somente o PGR pode iniciar esse processo, a decisão de Gilmar Mendes acaba por restringir um canal constitucionalmente aberto. Se o Senado é titular da competência, por que dependeria da iniciativa de uma única autoridade — que não raro atua em relação cotidiana direta com os próprios ministros que poderia acusar? Cria-se, assim, um poder de veto informal, não previsto na Constituição.
Na prática, a medida engrandece o papel político do Ministério Público Federal e, simultaneamente, reduz o alcance do sistema de freios e contrapesos. Em vez de fortalecer a institucionalidade, a centralização tende a gerar o efeito oposto: impunidade estrutural e desalento democrático, ao sinalizar que eventuais abusos por parte de ministros do STF só seriam apurados se o PGR, por critérios próprios, assim o desejasse.
Críticos chamam a decisão de afronta constitucional ou aberração jurídica, e tais expressões refletem a percepção de que o Supremo, ao interpretar suas próprias regras de responsabilização, acaba por blindar-se politicamente. Trata-se de uma distorção preocupante: num Estado de Direito, nenhuma instituição pode ser simultaneamente protagonista, árbitra e guardiã de sua própria responsabilidade.
Ao Senado — e apenas a ele — a Constituição entregou a chave desse mecanismo. Subtrair-lhe essa prerrogativa não amplia a segurança jurídica; estreita o espaço democrático.
Em tempos de crescente tensão institucional, decisões dessa natureza não ajudam a reconectar o Judiciário à sociedade que deve servir. O debate, portanto, não é sobre perseguir ministros, mas sobre preservar a integridade do desenho constitucional. E essa integridade exige que nenhum poder, por mais elevado, concentre em si mesmo a capacidade de determinar quando — e se — poderá ser questionado.
*Advogado e jornalista
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