A Câmara presidida por Hugo Motta confirma a advertência amarga do icônico, saudoso deputado Ulisses Guimarães: cada novo Congresso consegue ser ainda pior que o anterior
Por Zé Américo Silva*
O icônico, o saudoso deputado Ulisses Guimarães, homem cuja biografia se confunde com a redemocratização brasileira, deixou uma frase que hoje ressoa como maldição: “se você acha este Congresso ruim, espere o próximo”. Não havia esperança ali. Não havia promessa de melhora. Era um aviso amargo, quase profético, sobre a lenta e contínua degradação da política brasileira. E, diante da atual Câmara dos Deputados, presidida pelo frágil e vacilante Hugo Motta, percebe-se que não era um exagero retórico: era uma praga anunciada, que hoje se cumpre sem pudor, sem resistência e sem vergonha.
A Câmara vive um dos momentos mais deprimentes de sua história. Não apenas convive, mas tolera, protege e financia parlamentares foragidos, condenados e autoexilados que continuam a constar como deputados federais, mantendo gabinetes, assessores e salários integralmente pagos pelo povo brasileiro. Carla Zambelli, condenada pela Justiça brasileira e detida na Itália, segue formalmente deputada, beneficiada por manobras regimentais que empurram com a barriga o inevitável.
Leia maisAlexandre Ramagem, condenado por tentativa de golpe de Estado, também segue listado como parlamentar, aguardando decisões que a Mesa Diretora insiste em não tomar. E há ainda Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente, já condenado por participação nos atos golpistas.
Eduardo se autoexilou nos Estados Unidos e continua a receber salários e mantém um gabinete com vários assessores sem trabalhar. Bananinha – como é apelidado – orquestrou uma série de ataques ao seu país e hoje é processado por atentar contra a soberania nacional e segue protegido pelo guarda-chuva político que transforma mandatos em escudo contra a Justiça.
O problema não é apenas a existência desses casos, é o comportamento da presidência da Câmara. Hugo Motta demonstra, dia após dia, que não tem liderança, autoridade ou coragem para enfrentar interesses que sequestram a instituição. Protelar virou método. Adiar virou estratégia. A omissão virou norma.
Enquanto isso, deputados condenados continuam custando centenas de milhares de reais aos cofres públicos todos os meses, como se ainda representassem o povo, como se ainda cumprissem mandato, como se ainda honrassem o juramento constitucional. Não honram. E a Câmara, ao mantê-los, também não honra.
Mas a deterioração não é apenas moral — é também política. A maioria dos deputados atuais atua de forma explícita em defesa dos interesses das elites econômicas. Fazem escândalo para proteger isenções e privilégios, mas recuam vergonhosamente diante da taxação de grandes fortunas.
Rejeitam tributar as empresas de apostas esportivas, as chamadas bets, que movimentam bilhões sem contrapartida social. Blindam fintechs que lucram em cima da precariedade financeira da população. É um Congresso que diz muito, promete tudo e entrega quase nada ao cidadão comum. Um Congresso que opera como escritório avançado dos setores mais ricos, mais influentes e mais blindados do país.
É esse o Parlamento que Hugo Motta lidera — ou finge liderar. Um Parlamento que já presenciou até a mesa diretora ser invadida por deputados insatisfeitos, impedindo o próprio presidente de se sentar. Uma cena simbólica, quase didática, sobre a completa perda de autoridade política.
Um presidente que não controla a Casa, que não controla a pauta e que se mostra incapaz de tomar decisões elementares, como declarar a perda de mandato de quem já perdeu qualquer condição mínima de permanecer no cargo.
Por tudo isso, a frase de Ulisses não é um aviso distante, mas uma constatação atual. Ele não exagerou. Ele antecipou. O Congresso de hoje é a confirmação de sua amargura: cada novo Parlamento tem conseguido ser moralmente inferior ao anterior. O que vemos agora não é desvio isolado, é sistema.
Não é crise temporária, é deterioração estrutural. E enquanto a Câmara continuar acobertando réus, foragidos e condenados, e continuar legislando em favor dos mesmos grupos que sempre lucraram com o atraso do país, o Brasil seguirá pagando a conta — financeira, institucional e democrática — dessa praga que ainda nos assombra.
Ulisses tinha razão. O próximo Congresso seria pior. E foi. E continua sendo. E, se nada mudar, o próximo será pior ainda.
*Zé Américo Silva é jornalista e pós-graduado em Gestão da Comunicação Integrada
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