Por Antonio Magalhães*
O dia 31 de outubro é o Dia das Bruxas, mas a data é totalmente irrelevante na realidade brasileira. O país tem tantas assombrações políticas durante todo o ano que não consegue em 24 horas concentrar comemorações e brincadeiras. O governo Lula e o consórcio que o apoia esvaziaram a festa, não se sabe se intencionalmente. Eles são responsáveis por alimentar de coisas ruins o universo do mal assombro nacional, destruindo ainda as fantasias supostamente aterradoras de gerações.
Diferente do passado, o medo do Saci Pererê, da Curupira, da Comadre Florzinha, do Papa-Figo e da Cuca, sustos de crianças, sequer mexem hoje com os pequenos. Já para os grandes, as assombrações são reais, contemporâneas e provocam abalos nas pessoas e no país. Assustam os brasileiros a corrupção desvairada, o sumidouro de verbas públicas, os funcionários fantasmas, os processos judiciais extravagantes, as prisões ilegais e muitas mentiras oficiais.
Leia maisPor exemplo, um mal assombro que ninguém quer explicar é a falta de punição aos envolvidos no sumiço de 60 bilhões de reais de 2,5 milhões de aposentados e beneficiários do INSS. Os ladrões são protegidos por entidades misteriosas e superiores que não podem ser reveladas sob pena de punições aos inconvenientes, até mesmo com uma maldição eterna. Além do mais, a comissão parlamentar mista de inquérito (CPMI) que apura a roubalheira está sendo cada vez mais tolhida. Os possíveis depoentes fogem da comissão como o diabo foge da cruz. E alguns deles ainda apelam aos ‘capas pretas’ para nada falar.
Outra assombração que perdeu força e hoje é passado por conta de manipulações judiciais foi a Operação Lava-Jato. Ela desvendou um grande esquema de corrupção envolvendo a Petrobras, que ainda “assombra” a política brasileira. Na investigação, o atual presidente da República foi preso e condenado em três instâncias e depois simplesmente descondenado. Os espíritos vermelhos agiram.
Já a prática de nomear “funcionários fantasmas” tem longa e vergonhosa tradição na política brasileira, revelando uma lógica de aparelhamento da máquina pública em benefício de interesses pessoais e políticos. “Além do prejuízo financeiro direto, o efeito mais corrosivo é simbólico. Cresce a percepção de que a política é um jogo sujo, atrai cidadãos ao debate público, alimenta a desesperança e fortalece discursos de negação da política, abrindo brechas para o autoritarismo. É também uma violência contra os bons servidores públicos, aqueles que, diariamente, cumprem as suas funções”, afirma um jornal paulista.
Nesta festa do Dia das Bruxas, a máscara da Justiça, por sua vez, não tem mais condição de entrar. O adereço barrado, já bastante esgarçado, amedronta os supostos festeiros diante da imputação dos malefícios e maldições reais que a justiça nacional das trevas vem lançando por décadas. E o medo, como se sabe, não anima nem velório e muito menos uma festa. Hoje, o brasileiro tem receio de falar o que pensa sob o risco de ser processado, preso e exilado, o que não deixa de ser um pesadelo, o mal assombro dos sonhos.
E para quem acha pouco, o Dia das Bruxas nacional deste ano tem uma versão internacional no universo das assombrações: o Halloween original dos Estados Unidos, que explora lendas e histórias de terror mais modernas, traz como astro principal Donald Trump. O presidente americano que está assombrando a esquerda e a direita, países grandes e pequenos com os fantasmas das sanções a pessoas físicas e alta de tarifas para quem quer vender nos Estados Unidos. O susto do “Laranjão” tem deixado a elite política brasileiro arrepiada. Buuuhhhh!!!
Como manda a tradição, as assombrações devem ser respeitadas, a ponto da literatura pernambucana dedicar muito espaço ao sobrenatural. O escritor Gilberto Freyre escreveu ainda no século passado “Assombrações do Recife Antigo”, um best-seller com histórias fantásticas. Pós-Gilberto, a seu modo, o clima de mistério permanece favorável ao desconhecido na cultura pernambucana, levando o jornalista Roberto Beltrão a resgatar histórias fantasmagóricas novas e produzir com elas revista de quadrinhos, livros e filmes sobre a capital mais assombrada do país, o Recife.
A ponto de uma escultura temporária exibir no Marco Zero do Recife a fantasiosa réplica da “perna cabeluda” que vem assustando os pernambucanos por gerações, dizem. Segundo contam, ela é parte de uma perna decepada e se move aos pulinhos, capaz de dar poderosos chutes, rasteiras, enfim, coisas de que uma perna é capaz. A perna já tirou o sono de muitos adultos crédulos e crianças. Mas não faz o que deve ser feito: chutar para longe as mazelas que assombram o país. Vôte! É isso.
*Jornalista
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