Por Marlos Porto*
São nove e meia da manhã. Dia 21 de outubro de 2025. Uma manhã arcoverdense nublada e fria, que lembra o inverno sertanejo, em vez do calor que seria típico nessa época. Aqui, parado em frente ao Cemitério São Miguel, no bairro homônimo, na Avenida Monsenhor Pinto de Campos, em Arcoverde, aguardo a chegada do cortejo que conduz o féretro onde repousa o corpo do amigo Enaldo Cândido.
Enaldo foi um dos maiores baluartes da imprensa arcoverdense nos últimos 40 anos. Trata-se de uma perda irreparável para o jornalismo arcoverdense a sua passagem para outro plano de existência.
Quero, contudo, nos instantes que antecedem a derradeira despedida para os familiares e amigos, render um singelo preito à figura humana de Enaldo Cândido, por meio de um breve exercício de memória.
Leia maisConheci Enaldo nos bares do São Geraldo, bairro que ele tanto amava. Artífice da palavra e amante da boa política (a que se volta para ideias e ideais e almeja, acima de tudo, a promoção do interesse público), Enaldo, com sua presença marcante, fazia as cadeirinhas de plástico e as mesinhas quadradas do bar parecerem, a olhos mais imaginativos e românticos, assentos de uma pitoresca espécie de “Távola Redonda” sertaneja. Ali, vi gigantes do “bom combate”, como Edilson Xavier, o finado Sabará e meu saudoso pai, Giovanni Porto, se assentarem.
Vi outros políticos, como os ex-vereadores Ivanildo Matos e João Justino, além de diversos colaboradores do jornal, como seu genro Arnaldo Tenório e o advogado Manoel Modesto.
Neste momento, chegou o cortejo. E, em silêncio, observo. Agora, à saída do campo santo, impossível não recordar a mais marcante cena: sobre o caixão, ornado de coroas de flores, um exemplar do Jornal de Arcoverde. É significativo o gesto. Enaldo, pai de tantos filhos, também gerou esse filho que é o Jornal de Arcoverde, há 44 anos.
Enaldo sabia perguntar e sabia ouvir. Simples e autêntico, brincalhão e sensível, o filho de Dona Sebastiana, natural de Itaíba e que bebeu “das águas das cacimbas de Seu Jé” (imortalizadas na belíssima canção “Muirá-Ubi”, de Paulinho Leite), encantou-se por Arcoverde e aqui fincou raízes, era uma companhia agradável e um personagem interessante. Quando lhe perguntava se estava bem, respondia que sim e acrescentava: “e ainda fazendo menino”.
Enaldo tinha uma alma barroca. Apaixonado pela beleza feminina, tinha também um lado religioso marcante. E há poucos dias recebi dele, via WhatsApp, uma bela imagem de Santa Terezinha.
Enaldo era um promotor do diálogo respeitoso – algo que tanto faz falta ao nosso país nos dias que correm –, congregando opiniões e correntes de pensamento, as mais variadas, em seu jornal. Foi também um defensor incansável de nossa terra e de nossa gente. Célebres as matérias que fazia enaltecendo a gente simples e batalhadora de nossa cidade – homens e mulheres das mais variadas profissões e atividades –, sempre com lugar de destaque no seu jornal.
Como disse uma de suas filhas, emocionada, à beira do túmulo, o “Gato do Telhado”, como era chamado, estará doravante mais acima, nos céus.
Que os espíritos de luz, entre os quais Santa Terezinha, lhe conduzam por esse caminho.
E que todos os que valorizam a memória de nossa cidade possam refletir sobre seu legado e sentir profunda gratidão a Enaldo Cândido, pela sua fecunda existência e pela sua obra imorredoura, que cumpre ser preservada.
*Bacharel em Direito
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