“Eu ainda posso votar [sobre o aborto]. Mas a consideração que estou fazendo é: nós já vivemos um momento com muitos temas delicados acontecendo ao mesmo tempo e os riscos de uma decisão divisiva criar um ambiente ainda mais turbulento no país”, disse Barroso em coletiva de imprensa após anunciar a antecipação da sua aposentadoria. “Portanto, um juiz não faz apenas o que quer ou gostaria de fazer. Tem de ter algumas preocupações institucionais.”
Até agora, apenas foi registrado um voto no caso – o de Rosa Weber, que fez questão de marcar sua posição e depositar o voto no plenário virtual, antes de se aposentar em 2023. Agora, a questão é se Barroso vai seguir o exemplo da colega – e também registrar o seu voto nos seus últimos dias de atuação na Corte.
No caso do aborto, Barroso pediu destaque em setembro de 2023. Mas durante os dois anos em que ocupou a presidência do STF, Barroso não viu condições políticas para retomar a análise do caso, que mobiliza diversos setores da sociedade civil – no STF, há quem tenha dúvidas de que o ministro vá querer mexer nesse vespeiro nos seus últimos dias no cargo.
Uma das ideias avaliadas reservadamente pela equipe de Barroso é devolver o caso ao plenário virtual – o que permitiria o ministro de depositar o seu voto na plataforma, antes de se aposentar. Barroso já avisou que não vai mais participar das sessões presenciais da Corte.
“É um voto muito custoso em razão da profunda divergência moral em torno do tema. Só valeria a pena proferir o voto se houvesse alguma mínima perspectiva de avanço no STF – e não há”, disse um interlocutor do ministro ouvido pelo blog.
Posição de Barroso já é conhecida
Apesar do suspense em torno dos próximos passos de Barroso, a posição do ministro sobre o tema já é conhecida.
Em 2016, num polêmico julgamento da Primeira Turma do STF, ele, Rosa e o atual presidente da Corte, Edson Fachin, se manifestaram pela descriminalização do aborto, na análise de um pedido de habeas corpus para cinco médicos e funcionários de uma clínica clandestina presos em Xerém, na Baixada Fluminense.
Naquele momento, a Primeira Turma entendeu que eles não cometeram crime e deveriam ser soltos, mas o entendimento se restringiu a esse caso. Já ação do PSOL aborda a questão de maneira mais ampla e irrestrita, para toda a população brasileira.
“A criminalização é incompatível com os seguintes direitos fundamentais: os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, que não pode ser obrigada pelo Estado a manter uma gestação indesejada; a autonomia da mulher, que deve conservar o direito de fazer suas escolhas existenciais; a integridade física e psíquica da gestante, que é quem sofre, no seu corpo e no seu psiquismo, os efeitos da gravidez”, disse Barroso naquela ocasião.
Atualmente, a lei garante o direito ao aborto para salvar a vida da grávida, ou quando a gestação é fruto de um estupro. Em 2012, uma decisão do STF garantiu a medida no caso de fetos anencéfalos.
O PSOL quer permitir a interrupção voluntária da gravidez até a 12ª semana de gestação, independentemente da situação da mulher.
Repercussão
Para o advogado Paulo Iotti, Diretor Presidente do Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero, a saída de Barroso do Supremo “é péssima para direitos das mulheres e de minorias em geral e da população LGBTI+ em especial”.
“Dificilmente teremos um ministro tão progressista na defesa de minorias indicado. E a maioria da composição atual tem mostrado não querer enfrentar temas sensíveis sobre direitos trans e o direito ao aborto no primeiro trimestre, por exemplo. Tem ‘decidido não decidir’ por razões processuais que não se aplicam ou incoerentes com sua jurisprudência”, afirmou.
Na avaliação da professora de direitos fundamentais da FGV Direito SP Luciana Ramos, a saída de Barroso traz repercussões para julgamentos do STF.
“Se pensarmos na atuação do ministro Barroso em questões envolvendo igualdade de gênero e racial, e a pessoa escolhida para entrar no lugar dele não tiver as mesmas preocupações, poderemos ter uma perda significativa no que diz respeito às pautas envolvendo grupos historicamente discriminados”, disse.
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