Por Maurício Rands*
Para buscar informações na internet, até há pouco digitávamos o assunto na barra de pesquisas. Diante dos links oferecidos, escolhíamos aqueles nos quais entrávamos. Isso gerava tráfego de audiência e potencial monetização para os veículos produtores da informação. Embora plataformas como a Google nem sempre remunerassem corretamente os veículos de comunicação e outros produtores de conteúdos.
Agora, cada vez mais, as pessoas vão direto aos chats de inteligência artificial e formulam a pergunta. A resposta vem organizada por ferramentas de IA como ChaGPT, DeepSeek ou Gemini. Recebem um texto pronto com uma visão geral sobre o assunto. Texto que é compilado pelo chatbot a partir do material que existe na internet. Muita gente se satisfaz com esse “resumo”. Deixam de clicar nos links que a outra modalidade de busca oferece. A navegação deixa de ser feita por cliques. Torna-se uma sucessão de perguntas e respostas.
Leia maisA principal consequência para o usuário é que ele deixa de fazer a seleção das informações apresentadas pelos links que aparecem nas buscas tradicionais. Nesse novo modelo de buscas por conversas nos chatbotos, quem escolhe e hierarquiza as informações é a ferramenta de IA. O mais das vezes, o usuário não clica nos links das fontes das informações. Essa curadoria deixa de ser humana. Passa a ser feita pelo chatbot.
O usuário torna-se passivo. “É como se tivesse alguém na frente de uma loja contando para quem está fora tudo o que tem lá dentro. A pessoa não precisa entrar”, como explica Gustavo Franco, diretor da agência Graphite (O Globo, 24.8.25). Mesmo antes já tendo perdido autonomia porque a hierarquização e seleção desses links era feita pelos algoritmos programados pelas plataformas. A autonomia e a criatividade, que já eram manietadas, tornam-se ainda mais reduzidas e superficiais.
Outra consequência relevante atinge os produtores de conteúdos. Veículos de comunicação, universidades, think tanks e outras instituições passam a ter seus conteúdos usados sem que o receptor ao menos entre em seus sites. Os chatbots recolhem as informações e as repassam ao internauta. Ficam desprotegidas a propriedade intelectual e a audiência desses produtores de conteúdo.
Sem receberem contraprestação pelo uso de seus conteúdos, como poderão continuar gerando as informações que depois serão organizadas e usadas pelas plataformas de IA? No modelo tradicional de buscas, Goggle e outros conectavam a pesquisa do usuário com os sites produtores da informação buscada. Possibilitava-se a monetização dos cliques, remunerando os sites clicados que haviam gerado o conteúdo. Mesmo com imperfeições. No novo modelo, os sites deixam de ser clicados. E, portanto, não têm como auferir receitas pelos cliques. Cria-se um modelo de “free rider”, o velho e conhecido caroneiro. Os modelos de IA apropriam-se dos conteúdos que buscam nos sites produtores do conteúdo jornalístico e acadêmico e faturam com eles. Mas não os remuneram por isso. E impedem que o modelo de receita por cliques continue viabilizando os jornais e demais produtores de matérias de qualidade.
Já estão ocorrendo negociações e ações judiciais envolvendo veículos jornalísticos e as big techs sobre essa remuneração de conteúdos. O New York Times e a Folha de São Paulo já entraram com ações judiciais contra a OpenAi cobrando remuneração por seus conteúdos usados pelo ChatGPT. Outras saídas aventadas são os bloqueadores de acesso a conteúdos protegidos. O problema está só começando. Mas como já dizia um certo filósofo nascido em Trier, a humanidade não se propõe problemas para cuja solução não existam as condições.
*Advogado formado pela FDR da UFPE, professor de Direito Constitucional da Unicap, PhD pela Universidade Oxford
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