Por Verones Carvalho*
Nos últimos dias, Recife foi palco de um debate que expõe de forma nítida as contradições sociais e políticas da nossa Capital.
A construção de um conjunto habitacional do programa Minha Casa Minha Vida no bairro de Boa Viagem, tradicionalmente considerado uma área “nobre”, revelou uma celeuma desnecessária e profundamente marcada por preconceitos.
De um lado, o governo federal, através do presidente Lula, em parceria com a Prefeitura do Recife, busca garantir dignidade e moradia digna para centenas de famílias que já residem na localidade em condições precárias. Do outro, parte de moradores de classe média e alta se manifesta contra a obra, utilizando o discurso da “defesa ambiental” como argumento central. Mas o que realmente está em jogo?
Leia maisO uso seletivo da questão ambiental
É curioso notar que a preocupação ambiental, levantada por alguns opositores da obra, raramente aparece quando o assunto envolve a construção de prédios de luxo, condomínios fechados ou empreendimentos empresariais que avançam sobre áreas sensíveis do litoral pernambucano. Não se vê a Secretaria Estadual de Meio Ambiente realizando o mesmo nível de fiscalização ou resistência quando esses empreendimentos são erguidos. Tampouco há registros de audiências públicas para ouvir a população nesses casos.
Quando a construção atende a famílias pobres, no entanto, levanta-se uma onda de indignação seletiva, que, na prática, mais parece preconceito disfarçado de preocupação ambiental.
O direito à cidade e o combate à segregação
O urbanista francês Henri Lefebvre já defendia, há décadas, o conceito do “direito à cidade” — isto é, a possibilidade de todos, independentemente de classe social, usufruírem dos espaços urbanos de forma justa e igualitária. O que estamos vendo em Boa Viagem é justamente o oposto: setores que acreditam que morar em determinada área da cidade é um privilégio, e não um direito.
Essa resistência à construção de mais de quinhentas unidades habitacionais não é apenas um atraso social, mas uma tentativa de segregar ainda mais os pobres, relegando-os a espaços periféricos, longe das oportunidades, do acesso a serviços públicos de qualidade e da integração social.
Política rasteira e interesses individuais
É impossível ignorar também que essa polêmica tem sido instrumentalizada por setores políticos que enxergam na disputa uma oportunidade de desgastar o governo. Usam a população como marionetes em um teatro político raso, onde os interesses individuais se sobrepõem ao interesse coletivo.
A dignidade como prioridade
O programa Minha Casa Minha Vida foi e continua sendo um dos maiores instrumentos de inclusão social do Brasil. Garante não apenas um teto, mas a dignidade de uma vida melhor, o acesso a serviços públicos próximos e a possibilidade de ascensão social.
Tentar impedir ou postergar a obra em Boa Viagem é, acima de tudo, desumano. É negar a essas famílias o direito de viver com dignidade, em moradias adequadas e devidamente planejadas.
A luta pela moradia digna não pode ser contaminada por preconceitos e privilégios de classe. O Recife precisa ser uma cidade para todos, e não para poucos. A defesa do meio ambiente é legítima e necessária, mas ela deve ser coerente, sem seletividade ou manipulação política.
No fim das contas, a construção do conjunto habitacional em Boa Viagem é um passo importante rumo à inclusão social e ao combate à segregação urbana. O governo federal e a prefeitura cumprem seu papel: colocar a dignidade das pessoas em primeiro lugar.
*Cientista político
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