Por Antonio Lavareda*
A preocupação geográfica, traço particular da “Geografia Eleitoral”, não transparece em nenhuma das fases dos estudos eleitorais norte-americanos, quer à época das “estatísticas eleitorais” quando todo interesse consistia em descobrir “regularidades estatísticas” ou ainda quando trabalhando com idênticas fontes de dados – mapas eleitorais e censos – nas chamadas “análises ecológicas” levadas a efeito por cientistas políticos da universidade de Chicago.
O uso de pesquisas de opinião, a princípio apenas estabelecera previamente os resultados, e mais ainda a técnica de “panels” introduzida em 1940 por LAZARSFELD, BERELSON e GAUDET (1944), desenvolvida em eleições seguintes por seus criadores e aplicada em quadros geográficos mais amplos por cientistas políticos, sociólogos e psicólogos da Universidade de Michigan, fez avançar os estudos eleitorais a princípio nos EEUU mas em fins da década de 50 o “panel” já era utilizado na França, transformando a problemática que passou a ser definida como a necessidade de se apreender a processo decisório com relação ao voto e a sua realização, a construção ideológica do voto e não apenas sua distribuição.
Leia maisSurveys com questionários são realizados na sociologia eleitoral brasileira desde os anos 60 por Gláucio Soares e depois por vários autores sendo alguns trabalhos que deles fizeram uso na análise das eleições de 1974 e 1976 sido enfeixados em livros.
Idealizada e dirigida por Sílvio Marcelo Maranhão, foi montada no PIMES – Sociologia da UFPE uma pesquisa sobre as eleições de novembro de 1978 abrangendo os municípios que compõem a região metropolitana do Recife. Conectada a partir da proposta de uma pesquisa conjunta nacional com os trabalhos encaminhados por Amaury de Souza e Fábio Wanderley em Minas, Bolivar Lamounier e Fernando Henrique Cardoso em São Paulo e Francisco Ferraz e Hélgio Trindade no Rio Grande do Sul, teve as questões construídas no essencial, excetuando-se as ligadas ao background da amostra, em torno de alguns conjuntos de variáveis intervenientes como identificação partidária, percepção dos candidatos, percepção das eleições, percepção do governo e atitudes e preferências políticas. Os dados recolhidos em 418 entrevistas diligentemente conduzidas pelos alunos do Curso de Métodos e Técnicas de Pesquisa do CMS encontram-se agora em fase de processamento e irão alimentar análises que se somarão as existentes enriquecendo a interpretação sociológica dos processos eleitorais em Pernambuco.
Ao lado dos textos dedicados à interpretação dos pleitos estaduais é possível identificar na bibliografia pernambucana um segundo grupo ao qual se dará aqui a designação genérica de Estudos Institucionais incluindo a apreciação dos óbices postos a plena consecução do regime eleitoral.
É dessa ordem “Tendência Política da Cidade Cruel”, onde Palhares Moreira Reis (1965) ressalta a invariabilidade básica das preferências políticas do eleitorado recifense dissecando qualificação de “cidade cruel” epíteto lançado por Agamenon Magalhães que frequentemente retorna ao vocabulário dos períodos pós-eleitorais. Partindo de observações anteriores sugere uma modificação do zoneamento da capital mediante novo recorte das zonas eleitorais voltado para uma distribuição equitativa do eleitorado em zonas que passariam a apresentar maior homogeneidade do ponto de vista social e econômico. “Abuso do Poder Econômico no Processo Eleitoral” (1966) é uma investida do mesmo autor contra o mais negativo aspecto da realização de nosso processo político – a fraude eleitoral, “quer sobre o alistamento, quer sobre a campanha política ou ainda a realizada na eleição e na apuração”. Texto dos anos 60 onde, infelizmente encontramos sabor contemporâneo. A venda de colégios eleitorais, a montagem e financiamento de “dobradinhas” a “transformação” dos resultados, figuram entre os fenômenos mais comuns detectados notadamente na área rural, situada a origem no pauperismo da região.
E finalmente podemos ainda alinhar sob o rótulo de “Textos sobre Poder Político” uma série de trabalhos autóctones que embora não dirigidos especificamente à temática eleitoral não raro interseccionam-se com a mesma, fornecendo então subsídios valiosos para o conhecimento dos matizes do comportamento eleitoral do Estado.

Deste ângulo temos uma análise regional da mútua interação entre estrutura econômica e formas políticas contida em “Desenvolvimento Econômico e Poder Político: Algumas reflexões sobre o caso do Nordeste” de Silvio Marcelo Maranhão (1977) cujo enfoque central – a definição da dissolução das bases regionais e estaduais de poder como resultado da homogeneização capitalista empreendida pela burguesia do Centro-sul agenciando o Estado e sua política de integração do espaço nacional, serve a caracterização dos governantes estaduais oriundos de pleitos diretos ou não para estabelecer o percurso da dominação regional que vai do predomínio absoluto da oligarquia agrária até o controle direto do poder central.
E na série sobre Poder Político, três dentre os estudos de poder local devem ser enfatizados. “Coronel, Coronéis”, de Marcos Vinicius Vilaça e Roberto Cavalcanti (1965) apresentando os ontológicos perfis de Chico Romão, José Abílio, Chico Heráclio e Veremundo Soares. E não só os traços gerais da dominação coronelística como o fizeram vários autores desde o clássico de Victor Nunes Leal (1948) foram apontados, mas, e principalmente, os processos particulares de sua desintegração, valendo-se para tanto entre outros indicadores dos mapas eleitorais registrando o declínio progressivo e irreversível dos Coronéis e seus áulicos em meio a um elenco de transformações econômicas e políticas incorporadoras dos velhos feudos autárquicos.
As redefinições do coronelismo foram objeto da abordagem procedida por M. Auxiliadora Ferraz de Sá em “Dos Velhos aos Novos Coronéis” (1974). Captou a autora todo o processo de uma eleição municipal nos limites de uma comunidade sertaneja. A transição do voto de cabresto ao voto mercadoria, a sobrevivência dos velhos partidos imbricados nas antigas rixas senhoriais, tudo vinculado como fruto dialético à tessitura das relações sociais contraídas no processo produtivo. Mudança e permanência são reveladas pela autora em seus laços com a nova ordem capitalista que no esforço adaptativo age como hábil “bricoleur” lançando mão como seus significantes de velhos significados.
“Açúcar e Poder” de Sandra Maria Correia Bradley (1977) completa a trilogia com uma extensa análise histórica que remonta à colonização portuguesa para encontrar o caminho da formação e evolução de um sistema de poder municipal, fixando Vicência como espaço da pesquisa na Mata Seca Pernambucana. A evolução política do município, a postura das oligarquias, as relações entre a pequena unidade político administrativo e o Estado podem ser visualizados com maior nitidez a cada eleição quando se sedimentam os antagonismos. Ao fundo, retratada com firmeza, a estrutura fundiária que condiciona os interesses de classe como base material do poder.
REFERÊNCIAS
- BRADLEY, Sandra Maria Correia. Açúcar e poder: o caso de Vicência, Pernambuco. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, Instituto de Ciências Políticas e Sociais, 1977. LAZARSFELD, Paul F.; BERELSON, Bernard; GAUDET, Hazel. The people’s choice: how the voter makes up his mind in a presidential campaign. New
- York: Columbia University Press, 1944. LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. 7. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997. 1ª ed. 1948.
- MARANHÃO, Sílvio Marcelo. Desenvolvimento econômico e poder político: algumas reflexões sobre o caso do Nordeste, 1930– 1975. Revista Pernambucana de Desenvolvimento, Recife, v. 4, n. 2, 1977.
- REIS, Palhares Moreira. O abuso do poder econômico no processo eleitoral. Campina Grande: Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal da Paraíba, 1966. v. 1, 43 p. REIS, Palhares Moreira. Tendência política da “cidade cruel”: ( um estudo do zoneamento eleitoral do Recife). Recife: Universidade Federal de Pernambuco, Instituto de Ciências Políticas e Sociais, 1965. (Cadernos do Instituto de Ciências Políticas e Sociais, n. 6).
- SÁ, Maria Auxiliadora Ferraz de. Dos velhos aos novos coronéis: um estudo das redefinições do coronelismo. 1974. 137 f. Dissertação (Mestrado em Economia e Sociologia) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 1974.
- VILAÇA, Marcos Vinicius; ALBUQUERQUE, Roberto C. Coronel, coronéis. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1965.
* Cientista político
** Este artigo foi publicado originalmente no Jornal do Commercio (JC), em 2 de dezembro de 1979.
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