O mundo é dos retirantes. O que seria de São Paulo sem a mão de obra dos nordestinos fugitivos da seca? E de Brasília, construída por escravos candangos, que com o suor do seu rosto fizeram o sonho de JK virar a obra arquitetônica mais bela e apaixonante deste planeta.
Sou um duplo retirante, na primeira travessia de Afogados da Ingazeira para o Recife, que com o passar do tempo me deu cidadania honorária. Na segunda, da Veneza Brasileira para Brasília, que me abraçou como filho candango. Foi como aterrissar em outro sertão, das terras secas do cerrado sem umidade, tempo e clima de deserto.
Leia maisPercebi que Brasilia é um imenso cerrado, onde a vista não alcança, com seus planaltos de terra vermelha, um grande sertão de veredas de Guimarães Rosa, onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o lugar. O Sertão com seus vazios, de onde vim, onde manda quem é forte, com as astúcias. Sertão é sem lugar, é do tamanho do mundo.
Sou retirante da busca alucinante da notícia. Roberto Carlos, o nosso rei, é retirante tão quanto eu, mas da música, das canções do seu coração. Deixou a sua Cachoeiro do Itapemirim, no Espírito Santo, para se fazer gente grande no Rio. Sua voz e seus sucessos na Jovem Guarda conquistaram os corações cariocas.
Mas não é fácil dar adeus ao solo materno para uma viagem em busca de um futuro incerto, na escuridão das trevas, sem aquela luz no final do túnel. Roberto Carlos, mais tarde, já vitorioso e glorificado, rasgou a sua dor maior, as lembranças da sua casa materna, com a canção “Aquela casa simples”.
Na sua casa simples, seus pais falaram na despedida, para que tivesse cuidado, para não sofrer com as coisas terríveis do mundo. Aconselharam, como canta na música, que fosse um bom menino, que trabalhasse muito, que soubesse honrar o nome do seu pai. E nunca fosse um vagabundo.
“Ainda não era dia e você me dizia: Deus te abençoe, te guarde. Se mantenha sempre em sua companhia. E eu te olhei nos olhos, eu te beijei a mão. Eu disse amém. E o meu abraço fez você ouvir meu coração”, diz um trecho da canção, que tem um refrão emocionante: “Vida minha, vida minha”.
Quem nunca chorou numa despedida, que atire a primeira pedra! Ainda hoje lembro das lágrimas dos meus pais escorrendo pelo rosto quando parti de Afogados da Ingazeira, sem lenço e sem documento, como diz uma canção de Caetano Veloso. Não é fácil, mas a vida me ensinou a dizer adeus às pessoas que amo, sem tirá-las do meu coração.
Com o tempo, fui compreendendo que toda despedida é um lembrete de que o tempo é valioso e os momentos são preciosos. Nas minhas aventuras pelo mundo, andando pela rua, meu pai estava junto a mim, falando, ensinando os caminhos, dando conselhos. Olhava com ternura.
Como na música de Roberto, a lágrima molhava meu paletó de brim, toda minha bagagem num banco da estação. “Era de amor, coragem. As bênçãos do meu pai, a fé e um violão. E na cidade grande, tristeza e alegria. Uma saudade imensa. E a solidão que eu ainda não conhecia. E o tempo foi passando e então eu compreendi”, diz outro trecho da mesma melodia.
E complementa: “Cada palavra sua naquela manhã do dia em que eu parti. Vida minha, vida minha. Vida minha, vida minha. E veio a primavera e as flores do jardim enchiam de perfume. As cartas que chegavam de você pra mim também tinham perfume. Mas hoje com sorrisos podemos recordar, sempre que me lembro a emoção me dá vontade de chorar. Vida minha, vida minha. Vida minha, vida minha”.
Ninguém nunca sabe quando aquele ‘até logo’ poderá ser, na verdade, um adeus. Às vezes, a saudade vem antes mesmo do adeus; ela se instala nas entrelinhas de cada “até mais”. A despedida nos ensina que a vida é feita de ciclos e que cada um deixa um aprendizado. Na verdade, nunca sabemos quando o último adeus chegará. Por isso, deixo sempre o coração em cada despedida.
Leia menos