Por Antonio Magalhães*
Um país, como o Brasil, rico em causas e pobre em consequências, finalmente decidiu reagir com um novo marco legal contra o crime organizado. A aprovação pela Câmara Federal na terça, 18, do Projeto de Lei 5582/25 que combate as facções criminosas foi facilitada apenas com a troca de uma palavra: o texto final diz que crimes das facções não são “terrorismo”. Mas a ação dos bandidos faccionados é, sim, de terroristas. Ela fomenta o caos nas favelas e comunidades pobres, submete seus moradores a serem escudos humanos, os torna reféns, os explora economicamente e bloqueia com armas de grosso calibre qualquer tentativa de o Estado assumir seu papel diante desta população.
A retirada da palavra “terrorismo” relaxa o governo do PT e toda a esquerda que temia uma intervenção externa americana para combater o tráfico de drogas, que hoje não é mais a atividade principal das facções diante de interesses econômicos e políticos variados. Para muitos amigos dos bandidos, apoiar ou estar junto de narco terroristas, pega mal pela imagem extremamente negativa. Já conviver com traficantes e integrantes de facções que dizem apenas cometer crimes não ideológicos não é tão ruim, adoram, pensam eles. Tanto que o marco recebeu 110 votos da esquerda na Câmara. Outros 370 asseguraram a aprovação do PL, que agora vai para o Senado. Uma derrota humilhante para os governistas.
Leia mais
O relator do projeto, deputado Guilherme Derrite (PL-SP), espertamente, para substituir o termo “terrorismo” criou o conceito de organização criminosa ultraviolenta, o “agrupamento, de três ou mais pessoas, que emprega violência, grave ameaça ou coação para impor controle territorial ou social, intimidar populações ou autoridades, atacar serviços, infraestrutura ou equipamentos essenciais, ou que pratica, ainda que ocasionalmente, quaisquer atos destinados à execução dos crimes tipificados nesta lei”.
O Marco Legal do Enfrentamento ao Crime Organizado prevê a existência do crime de domínio social estruturado. Essa infração reúne condutas graves cometidas por facções, como o uso de violência para impor domínio territorial, ataques a forças de segurança ou sabotagem de serviços públicos. A pena para esse crime é de 20 a 40 anos de prisão, com possibilidade de aumento de pena pela metade ou em até dois terços, entre outros casos, se esse crime tiver sido cometido por uma liderança e se houver conexão transnacional. Põe fim também a uma série de benefícios, como indulto e progressão de regime.
O avanço do projeto no Legislativo só aconteceu com tanta rapidez devido à repercussão da megaoperação policial no Rio, em 28 de outubro, contra a facção criminosa Comando Vermelho. Nela, foram presos mais de 100 traficantes e eliminados em combate outra centena. E não vai parar por aí, garante o governador do Rio, Cláudio Castro, que mobilizou as forças policiais do Estado para a megaoperação e não esperou a ajuda federal que não veio. Nesta terça, 18, houve outra operação policial em favela carioca com a eliminação de dois bandidos.
Numa discussão mais ampla sobre o narco terrorismo nacional, deve-se levar em conta também iniciativas desarmadas com resultados positivos, na esfera do chamado urbanismo social. O maior exemplo disso foi a vitória da cidade de Medellin, na Colômbia, contra o narcotráfico. E foi a partir da experiência do país vizinho que o administrador de empresas pernambucano Murilo Cavalcanti, como secretário de segurança urbana do Recife, implantou, a partir de 2016, em áreas problemáticas da Capital, cinco unidades de Centros Comunitários da Paz, os Compaz.
Segundo Murilo Cavalcanti, considerado o principal especialista brasileiro na estratégia colombiana, a explicação para um projeto social urbano de combate à violência é simples: a iniciativa deve apresentar alternativas ao tráfico para os mais jovens. Com a proposta de prevenir a violência pela oferta de serviços públicos e atividades recreativas, a Prefeitura do Recife recebeu da organização Oxfam em 2019 a menção de melhor projeto do país para a redução da desigualdade.
Para ele, todo mundo precisa de ter na vida dois objetivos: uma causa e uma inspiração. “Explico: uma causa que o leve a atuar, a se apaixonar por algo que possa ser transformado, melhorado ou preservado. A minha causa é a luta pela vida. O direito de viver em paz. O direito de oportunidades para todos. O direito por uma cidade mais justa, mais equitativa, com menos pobreza e menos desigualdades”.
“A minha grande inspiração foi Medellín. A cidade que se reinventou. A cidade que se renovou. A cidade que ousou. Medellín mostrou para o mundo que, sim, é possível encurtar a distância entre a cidade formal e a periférica, gerando oportunidades iguais para todos”, completou Cavalcanti. Esta cidade colombiana já foi uma espécie de capital latino-americana do tráfico de drogas, da corrupção policial, a campeã de assassinatos violentos e era controlada pelo mais conhecido e malvado traficante, Pablo Escobar.
A instituição do Marco Legal de Enfrentamento ao Crime Organizado dá partida a uma mudança na segurança pública do país. “É o fim de uma era de permissividade criada pela esquerda”, lembrou o governador do Rio. Entre a operação policial e ação pacificadora, como o Compaz, as autoridades devem apostar nas duas opções. Vencendo a primeira fase à bala e punições na Justiça, a segunda abre espaço para um futuro promissor para essas comunidades oprimidas pelos narcoterroristas. As ações se complementam. É isso.
*Jornalista
Leia menos