Por Iago Mac Cord
Do Correio Braziliense
A uma semana para as tarifas impostas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, entrarem em vigor, o governo brasileiro não se mostrou disposto a negociar e, segundo o ex-secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, está seguindo um caminho “suicida” ao considerar possíveis taxas retaliatórias. O consultor tributário, em entrevista ao Podcast do Correio, defendeu que “só tem uma forma” de lidar com essa questão: “negociar”.
Maciel explicou aos jornalistas Mariana Niederauer e Roberto Fonseca que a diplomacia comercial deve ser tratada com “paciência, profissionalismo, pragmatismo e emoção zero”. Ele ressaltou, ainda, que o interesse nacional deve ser colocado acima de qualquer interesse passional ou disputa ideológica, algo que, na visão do especialista, não está sendo feito. Confira, a seguir, trechos da entrevista com Everardo Maciel:
Leia maisEstamos a alguns dias do início das tarifas dos Estados Unidos. Quais são as perspectivas, na sua avaliação?
Bom, primeiro, dizer o seguinte: por um problema de tradução, às vezes somos confundidos com alguns conceitos. A expressão tariff em inglês não é adequadamente traduzida por “tarifa”, mas por imposto de importação. Essa é a palavra que nós utilizamos. Eu digo isso para dizer o seguinte: quando o governo americano resolve estabelecer um imposto de importação, incorretamente traduzido por “tarifa”, de 50% sobre os produtos brasileiros, a primeira coisa a ter em conta é que esse imposto incide sobre os americanos e não sobre os brasileiros. É evidente que isto repercute no comércio externo brasileiro e é por isso que é um problema. Mas é preciso deixar muito claro, primeiro, que ele pode fazer isso. Alguém poderia dizer: “Mas ele está, com isso, violando os acordos de comércio internacionais que resultaram na Organização Mundial do Comércio”. Esses acordos são letra morta, não existem mais há muito tempo. Então, esqueça isso. O fato concreto é que isso não foi específico para o Brasil, mas para inúmeros países do mundo. Então, pode fazer isso? Pode. Como lidar com essa questão? Só tem uma forma: negociar. Não estou contando nenhuma novidade, porque é isso que têm feito 40 países do mundo. O único que não está efetivamente negociando é o Brasil.
Quais foram os principais erros do Brasil com o governo Trump em termos comerciais? Onde falhou?
Quando foram obstruídos os canais diplomáticos entre o Brasil e os Estados Unidos, desde a administração de Trump, era previsível que aconteceriam coisas dessa natureza. Quer dizer, o fato de um país, na pessoa dos seus governantes, não ter o mesmo tipo de pensamento de um outro país, não significa encerrar canais de negociação, canais diplomáticos. O fato de os Estados Unidos negociarem com a China não implica acolher a ideologia chinesa. E vice-versa: não significa dizer que a China vai acolher a ideologia norte-americana. Quer dizer, são negócios entre países que devem ser tratados profissionalmente, sem nenhum tipo de conotação ideológica ou emocional.
Paralelamente a essas negociações, alguns países têm feito acordos bilaterais. Esse também é um caminho?
De fato, isso sempre existiu e existe. Não significa dizer que o único país com o qual nós temos relações comerciais sejam os Estados Unidos. Longe disso. O país que tem o maior volume de negócios com o Brasil é a China. Quer dizer, negócios bilaterais ou multilaterais por meio de organizações como Mercosul, tudo isso é possível. O fato de negociar com os Estados Unidos não deve impedir que se negocie com a União Europeia, com a China, com o Vietnã, com a Índia, etc.
O senhor citou que os acordos comerciais se tornaram letra morta. Na prática, isso não é jogar para a plateia?
Sim, só jogar para a plateia. A Organização Mundial do Comércio, que resulta dos chamados acordos do GATT, estabeleceu algumas regras comerciais para o mundo inteiro. E, para isso, tem inclusive instâncias de julgamento para verificar se houve violação desses acordos. O julgamento na OMC têm duas instâncias: a primeira instância continua existindo, não serve para nada, e a segunda não existe. Então, não existe nada.
A presença na imprensa, visibilidade do tema, pode servir como uma forma de pressionar os EUA ou mostrar para o mundo a posição brasileira?
Ninguém dá mais importância para isso, não. Isso tinha importância há 15, 20 anos. Por exemplo, nós conseguimos, por uma iniciativa brilhante, com enorme capacidade negocial, assumir a direção da OMC, na pessoa do embaixador Roberto Azevêdo. Inclusive, enfrentando um candidato que era apoiado pelos EUA. Foi uma tarefa brilhante. Conseguiu se reeleger novamente, agora, duas vezes brilhante, mas no curso do seu segundo mandato, ele renunciou. Ele, como é uma pessoa preparada, qualificada, percebeu que aquilo perdeu qualquer sentido, não tem nenhuma importância.
Ainda há tempo para o Brasil negociar e reverter esse quadro?
Sempre há tempo para negociar. Agora, como se perdeu tempo, o poder de barganha fica muito reduzido. Porque, nesse momento, você vai para a mesa com um poder de fogo reduzido. O que está em jogo não é só o aço e o alumínio. O que está em jogo é a posição do Brasil no comércio mundial. Isso é muito mais grave. E eu não vejo esse tipo de discussão, infelizmente.
Na carta original, que começou tudo isso, Trump cita nominalmente a questão política do Brasil. A partir daí, não seria natural o Brasil dizer que isso é um assunto interno, que envolve a soberania nacional?
Esse assunto terá a importância que for dada a ele. Por exemplo, o Brasil, na pessoa do seu presidente, faz críticas procedentes ou não. A crítica faz defesa de pessoas, de políticos na Argentina, faz críticas a políticos do país inteiro, que aquele está exercendo algo que é, está exercendo uma prerrogativa dele, mas isso não tem relevância nenhuma. Quer dizer, o fato de dizer que eu discordo de tal país que fez isso, vai mudar alguma coisa? Nada. Simplesmente o seguinte: a soberania só é afetada com medidas concretas. Quer dizer, o mundo já teria explodido há alguns séculos se isso tivesse algum tipo de importância
Entre os pontos que foram citados pelo governo norte-americano que estão em investigação no Brasil, aparecem temas que fazem parte do dia a dia da população. Por exemplo, Pix e o comércio na Rua 25 de Março. O senhor acredita que essas discussões precisam estar por trás de um imposto de importação?
Isso é tática diversionista. Não tem relevância em nada. O Pix é uma solução brilhante, uma solução produzida por técnicos brasileiros que está à frente de inúmeras outras soluções do mundo, é um exemplo para o mundo e isso simplesmente não tem que ser discutido. A rua 25 de Março é um problema brasileiro para ser resolvido no Brasil. Simplesmente, não ponha isso na mesa de negociação. Centre naquilo que é objetivo. É preciso segregar os problemas. Isso é uma coisa elementar em negociação. Se você acumula problemas, você não resolve.
O que pode ocorrer a partir do mês que vem, quando os impostos começarem a ser cumpridos nos EUA?
Teremos problema. Sem a menor sombra de dúvida, porque muitos produtos brasileiros têm um mercado preferencial majoritário nos EUA. Ora, se eles vão perder competitividade, que é algo também que não é necessariamente verdadeiro, ele pode aumentar o preço, mas não necessariamente perder a competitividade.
Por ser o único país que exporta esse tipo de insumo para aquele país, não é?
É, pode ter repercussões nos EUA. Mas, provavelmente, isso que eu estou dizendo é uma visão muito generosa e muito otimista. Existirão problemas. E esses problemas têm que ser enfrentados como problemas. E pior ainda, se partirmos para medidas de natureza retaliatória, poderemos agravar o problema, tornar o problema ainda maior. Portanto, requer agir com muita prudência, com muita habilidade, com muito senso pragmático, com muito profissionalismo para resolver um problema real. E esse problema real está para acontecer dentro de alguns dias.
O senhor citou que a adoção de práticas retaliatórias é a pior opção. O senhor pode dar exemplos práticos de como pode ser muito ruim essa retaliação?
A retaliação pode se dar de várias maneiras. Não existe uma forma retaliatória única. Eu vou começar pela trivial. Eu posso retaliar estabelecendo tarifas, imposto de importação, portanto, para produtos norte-americanos. Quem vai pagar isso é o brasileiro, é o consumidor brasileiro. Vamos tomar, por exemplo, o que foi mencionado pelo presidente do Instituto Brasileiro de Mineração, Raul Jungmann, quando mencionou que, do ponto de vista da exportação de minérios do Brasil, os Estados Unidos não são um mercado relevante. O mercado relevante é a Ásia. O Brasil exporta para os EUA de 1% a 2%. Então, portanto, essa dita tarifa, esse imposto de importação, não teria repercussão significativa na atividade mineral brasileira. Porém, se eu vou retaliar estabelecendo, por exemplo, imposto de importação para produtos americanos, eu devo lembrar que 20% dos insumos utilizados na indústria de mineração brasileira vêm dos EUA. Portanto, eu vou aumentar o preço do produto no Brasil e vou inviabilizar a exportação brasileira para a Ásia, ou seja, o tiro sai por outro lado. Eu não vi ninguém entre empresários ou quem estuda esse assunto, a defender essa tese, porque é uma tese suicida. O que eu quero dizer em outras palavras: só tem um caminho, que é o da negociação. E a negociação requer paciência, profissionalismo, pragmatismo e emoção zero.
E silêncio?
Silêncio e não avisar. Quer dizer, você fica o tempo inteiro, uma coisa que parece assim, quase infantil: fica avisando o que vai fazer. Tem que ser silencioso, você tem que ter estratégias para enfrentamento do assunto que são desenvolvidas de forma silenciosa, cautelosa, de forma ponderada. É assim que funciona. Porém, nas circunstâncias que eu estou vendo, eu sou muito pouco otimista em relação a um desfecho favorável.
Quem entrou nessas negociações foi o vice-presidente Geraldo Alckmin, que é também ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e Serviços. O senhor acha que devem ficar mais assim, em conversas restritas?
Isso é uma atitude correta. Mas eu faço uma pergunta: quantas vezes o ministro das Relações Exteriores do Brasil conversou com o seu homólogo nos Estados Unidos? Ao que eu saiba, nenhuma. Quantas vezes o ministro da Fazenda do Brasil conversou com o secretário do Tesouro dos Estados Unidos? Ao que eu saiba, nenhuma. Quantas vezes o presidente da República do Brasil conversou com o presidente dos Estados Unidos? Nenhuma. Então, portanto, é uma iniciativa que, se procedente, como eu creio que seja, é correta, mas muito pequena.
Como lidar, hoje, nesse cenário político em que as redes sociais estão fazendo essa pressão e onde as fake news acabam correndo soltas também?
Isso é um problema contemporâneo que existe. Isso apenas dificulta, torna, ou seja, requer mais habilidade, mais humildade, mais pragmatismo de tudo que eu falei. Isso é apenas um elemento que joga contra, porque o espaço, portanto, para veiculação de notícias falsas e de todos os gêneros é muito grande. Mas isso é o mundo contemporâneo, você não tem como mudar.
O governo tem enfrentado dificuldades na comunicação de uma maneira geral…
A comunicação que o governo deveria fazer é com os Estados Unidos. Agora, se tentar todas as vezes que você for acrescentar uma variável nova, vai tornar mais difícil. Ou seja, às vezes, não creio exatamente que seja assim, mas às vezes eu sou tentado a imaginar que parece que não quer resolver o problema. Parece que tem a intenção de não resolver, porque não é possível que quando se vai tentar resolver o problema, inventa um novo problema para evitar que o problema se resolva. É um pouco absurda a minha conclusão. Eu reconheço que é um pouco absurda, mas eu estou tentado a imaginar que só pode ser isso.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, falou que uma das medidas que o Brasil pode adotar é dar crédito para os setores mais afetados, mas isso não seria admitir que as negociações não vão avançar?
Não só ele. Também alguns governadores fizeram menção à adoção de medidas do mesmo gênero. Talvez seja necessário, sem a menor sombra de dúvidas. Agora, é preciso lembrar o seguinte: a despeito de ser necessário, o que se disse, também é que isso seria feito como despesa fora do arcabouço, como despesa, portanto, não primária. Aí é um outro problema. Nós estamos numa caminhada contínua de aumento da relação dívida pública/PIB. Acredito sempre na capacidade de, em algum momento, alguém encontrar uma solução que consiga evitar isso. Mas nós estamos acumulando problemas de uma maneira muito séria.
Existe uma dificuldade para começar a ser resolvido, uma vez que ano que vem já é ano eleitoral?
O Brasil tem essa história de ano eleitoral e um ano eleitoral é um ano em quem se permite tudo, em que se tem licença para qualquer coisa, inclusive, sobretudo, para todo tipo de irresponsabilidade. E é isso que faz com que o Brasil, há muito tempo, fique patinando como país que não consegue decolar.