Lula concedeu sua primeira entrevista ao The New York Times em 13 anos na terça-feira (29), em parte porque queria falar ao povo americano sobre sua frustração com Trump.
A entrevista foi dada um dia antes de Trump anunciar uma tarifa adicional de 40% sobre produtos brasileiros, elevando o valor total da sobretaxa para 50% —considerando os 10% anunciados em abril— , em grande parte porque as autoridades brasileiras acusaram o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) de tentar se manter no poder após perder a eleição de 2022.
Trump chamou o caso de “caça às bruxas” e quer que seja arquivado. Lula disse que isso não estava em negociação. “Talvez ele não saiba que aqui no Brasil, o Judiciário é independente”, disse.
Na entrevista, Lula disse que o presidente dos EUA está violando a soberania do Brasil.
“Em nenhum momento o Brasil negociará como se fosse um país pequeno contra um país grande”, disse ele. “Conhecemos o poder econômico dos Estados Unidos; reconhecemos o poder militar dos Estados Unidos; reconhecemos o tamanho tecnológico dos Estados Unidos.”
“Mas isso não nos deixa com medo”, acrescentou. “Isso nos deixa preocupados.”
Talvez não haja líder mundial desafiando Trump tão fortemente quanto Lula.
O presidente do Brasil —um esquerdista em seu terceiro mandato que é possivelmente o estadista latino-americano mais importante deste século— tem rebatido Trump em discursos por todo o Brasil. Suas páginas nas redes sociais de repente se encheram de referências à soberania do Brasil. E ele passou a usar um boné que diz “O Brasil pertence aos brasileiros”.
Na terça, ele disse que estava estudando tarifas retaliatórias contra exportações americanas se Trump levar adiantasse suas ameaças. E disse que, se o motim de 6 de janeiro de 2021 no Capitólio dos EUA tivesse acontecido no Brasil, Trump estaria enfrentando processos judiciais assim como Bolsonaro.
“O Estado Democrático de Direito para nós é uma coisa sagrada”, disse ele em uma sala imponente decorada com uma tapeçaria colorida no palácio presidencial modernista, onde emas vagam pelos gramados. “Porque já vivemos ditaduras, e não queremos mais.”
A Casa Branca não respondeu a um pedido de comentário.
Trump atacou o Brasil para ajudar seu aliado, Bolsonaro. Suas tarifas de 50% estão entre as mais altas que ele impôs contra qualquer país, e parecem ser as únicas motivadas por razões abertamente políticas e não econômicas.
Trump disse que vê sua própria luta legal no julgamento criminal contra Bolsonaro.
Trump e Bolsonaro —dois políticos com estilos políticos impressionantemente semelhantes— perderam a reeleição e depois negaram ter perdido. Seus esforços subsequentes para minar a votação culminaram em multidões de seus apoiadores invadindo os edifícios das capitais de suas nações, em tentativas fracassadas de impedir que os vencedores das eleições assumissem a presidência.
A diferença marcante é que quatro anos depois, Trump voltou ao poder, enquanto Bolsonaro agora enfrenta a prisão.
Neste mês, Alexandre de Moraes, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) que supervisiona o caso criminal de Bolsonaro, ordenou que o ex-presidente brasileiro usasse uma tornozeleira eletrônica antes de seu próximo julgamento por acusações de golpe. Moraes disse que os esforços de Bolsonaro para fazer lobby junto a Trump sugeriam que ele poderia tentar fugir do país. Bolsonaro pode enfrentar décadas de prisão se condenado.
Em uma entrevista ao Times em janeiro, Bolsonaro disse que, para evitar processos no Brasil, estava depositando suas esperanças na intervenção de Trump. Na época, o desejo parecia irrealista. Então, neste mês, Trump interveio.
Em uma carta de 9 de julho a Lula, Trump chamou o caso criminal contra Bolsonaro de “uma desgraça internacional” e o comparou com suas próprias acusações passadas. “Aconteceu comigo, vezes dez”, disse ele.
Ele também criticou Moraes por suas decisões sobre conteúdo de mídia social. E disse que o Brasil era um parceiro comercial injusto, alegando incorretamente que os Estados Unidos tinham déficit comercial com o Brasil. Os Estados Unidos tiveram superávit comercial de US$ 7,4 bilhões (R$ 41,3 bilhões) com o Brasil no ano passado em cerca de US$ 92 bilhões (R$ 513,4 bilhões) em comércio.
Lula, 79, disse que era “vergonhoso” que Trump tenha emitido suas ameaças em seu site de mídia social, Truth Social. “O comportamento do presidente Trump se desviou de todos os padrões de negociações e diplomacia”, disse ele. “Quando você tem uma discordância comercial, uma discordância política, você pega o telefone; marca uma reunião; conversa e tenta resolver o problema. O que você não faz é taxar e dar um ultimato.”
Ele disse que os esforços de Trump para ajudar Bolsonaro serão pagos pelos americanos que enfrentarão preços maiores para produtos que são significativamente originários do Brasil. “Nem o povo americano nem o povo brasileiro merecem isso”, disse ele. “Porque vamos passar de uma relação diplomática de 201 anos de ganha-ganha para uma relação política de perde-perde”.
Na terça-feira, o secretário de Comércio dos EUA, Howard Lutnick, disse que importações de alguns produtos não abundantes nos Estados Unidos poderiam ser isentas de tarifas, citando o café como exemplo. Um total de 30% das importações de café dos EUA vem do Brasil, de acordo com dados comerciais dos EUA. Lutnick conversou recentemente com o vice-presidente brasileiro Geraldo Alckmin (PSB), a quem Lula designou como principal negociador do Brasil na guerra comercial, disseram autoridades brasileiras.
Lula apoiou abertamente a ex-vice-presidente Kamala Harris, adversária de Trump, nas eleições de 2024. Ele disse que enviou uma carta a Trump antes de sua posse em janeiro, mas os dois nunca conversaram. Lula disse que Trump é o único presidente dos EUA desde Bill Clinton com quem ele não teve um bom relacionamento e que estava pronto para abrir diálogo. Mas disse que sentia que Trump não estava.
“O que está impedindo é que ninguém quer conversar”, disse ele. “Todos sabem que pedi para fazer contato.”
Em 11 de julho, Trump disse a repórteres, referindo-se a Lula: “Talvez em algum momento eu fale com ele. No momento, não estou.”
Uma semana depois, Trump publicou uma carta que escreveu a Bolsonaro, dizendo que seu julgamento “deveria terminar imediatamente!”
Trump disse que as tarifas também visam o Supremo Tribunal Federal do Brasil, pelo que ele diz serem “ordens de censura” contra empresas de tecnologia dos EUA.
Alexandre de Moraes ordenou que empresas de tecnologia derrubassem milhares de contas e postagens que, segundo ele, ameaçam a democracia. No entanto, ele manteve suas ordens em grande parte sob sigilo e se recusou a explicar por que certas contas são perigosas. Ele também prendeu várias pessoas por postarem ameaças contra as instituições brasileiras online.
Ele tem sido retratado como o guardião da democracia do Brasil por muitos na esquerda, mas seu poder crescente também levantou preocupações sobre se ele representa sua própria ameaça à democracia brasileira.
Agora ele se tornou um alvo da Casa Branca.
Na quarta-feira (30), o Departamento do Tesouro dos EUA anunciou que impôs sanções contra Moraes sob a Lei Magnitsky, uma escalada severa na disputa. A lei foi projetada para punir estrangeiros acusados de graves violações de direitos humanos ou corrupção, e impõe restrições financeiras significativas a indivíduos.
“Alexandre de Moraes é responsável por uma campanha opressiva de censura, detenções arbitrárias que violam os direitos humanos e processos politizados —inclusive contra o ex-presidente Jair Bolsonaro”, disse o secretário do Tesouro Scott Bessent em um comunicado à imprensa.
O STF não respondeu imediatamente a um pedido de comentário.
Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente, está em Washington fazendo lobby por tais sanções há meses.
O Departamento de Estado já havia revogado os vistos de Moraes, outros ministros do Supremo e suas famílias por “censura” e uma “caça às bruxas política contra Jair Bolsonaro”.
Quando questionado sobre as possíveis sanções na terça-feira, um dia antes de serem anunciadas, Lula disse: “Se o que você está me dizendo for verdade, é mais grave do que eu imaginava. O Supremo Tribunal de um país tem que ser respeitado não apenas por seu próprio país, mas tem que ser respeitado pelo mundo.”
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