Do jornal O Globo com AFP e New York Times
Em um memorando de 17 páginas, o Departamento de Defesa dos Estados Unidos começou a exigir que os cerca de 90 jornalistas credenciados para cobrir a agência obtenham aprovação prévia para publicar qualquer informação que lhe diga respeito, confidencial ou não, ou correm o risco de perder o acesso ao Pentágono. O documento ainda restringe a circulação da imprensa, designando grandes áreas do prédio como proibidas para a circulação sem escolta.
As novas condições, comunicadas na ontem à noite aos jornalistas atingidos, representam um novo passo na luta que o presidente americano Donald Trump e seu governo travam contra a imprensa tradicional, que ele acusa de ser desfavorável a ele.
Leia maisO Departamento de Defesa disse no memorando que “continua comprometido com a transparência para promover a responsabilização e a confiança pública”. O novo documento estabelece que informações do Departamento de Defesa “devem ser aprovadas para divulgação pública por um funcionário autorizado, antes de sua publicação, mesmo que não sejam confidenciais”.
O novo compromisso exige que jornalistas reconheçam por escrito que a aquisição ou o uso de informações não autorizadas seria motivo para “suspensão imediata” do acesso ao Pentágono. A medida ainda define informações proibidas para incluir tanto materiais confidenciais quanto “informações não confidenciais controladas”, uma categoria amplamente definida que inclui materiais que poderiam representar um risco à segurança nacional se divulgados ao público.
Não está claro se a proibição incluiria a solicitação de informações da equipe do Departamento de Defesa ou a busca de confirmação ou comentários sobre materiais coletados por outros meios.
A mudança pode restringir drasticamente o fluxo de informações sobre as Forças Armadas dos EUA ao público. O Clube Nacional de Imprensa de Washington classificou a política como “um ataque direto ao jornalismo independente” e solicitou a revogação imediata da norma.
— Se as notícias sobre nossas Forças Armadas devem ser aprovadas primeiro pelo governo, o público não recebe mais informações independentes — declarou o presidente da organização, Mike Balsamo. — O público receberá apenas o que os funcionários [do Pentágono] querem que vejam. Isso deveria alarmar todos os americanos.
Além disso, o documento restringe a circulação da mídia dentro do próprio Pentágono, designando grandes áreas do prédio como proibidas para a circulação sem escolta dos cerca de 90 repórteres credenciados para cobrir a agência. Embora muitos escritórios e salas de reunião no Pentágono sejam restritos, jornalistas autorizados já haviam recebido acesso sem escolta a grande parte do prédio e seus corredores. O secretário de Defesa, Pete Hegseth, defendeu na sexta-feira esta medida do novo formulário de credenciamento.
“A imprensa não pode mais circular pelos corredores de uma instalação segura. Use sua credencial e cumpra as regras, ou vá para casa”, escreveu ele no X.
Sean Parnell, porta-voz do Pentágono, afirmou em comunicado que as novas diretrizes “reafirmam padrões que estão em conformidade com todas as outras bases militares do país”, acrescentando que se tratavam de “diretrizes básicas e de bom senso para proteger informações confidenciais e a segurança nacional”.
O diretor de advocacia da Fundação Freedom of the Press Foundation, Seth Stern, declarou que o governo está legalmente proibido de exigir que jornalistas abram mão de seu direito de investigar o governo em troca de acesso ou credenciais.
— Esta política funciona como uma restrição prévia à publicação, considerada a mais grave das violações da Primeira Emenda — afirmou Stern. — O governo não pode proibir jornalistas de divulgar informações públicas simplesmente alegando que se trata de um segredo ou mesmo de uma ameaça à segurança nacional.
Ameaças à liberdade de imprensa
A nova ordem, descrita em um memorando distribuído à imprensa na sexta-feira, foi a mais recente de uma série de ações do governo Trump para limitar a capacidade da mídia de cobrir o governo federal sem interferência.
A relação tensa do Pentágono com a mídia reflete uma atitude generalizada em todo o governo Trump. A Casa Branca tem repetidamente limitado o acesso aos veículos de comunicação por causa da cobertura que não lhe agrada, e o presidente Trump processou várias organizações de notícias, incluindo o Wall Street Journal e o New York Times, por causa de sua cobertura.
Após o assassinato do ativista conservador Charlie Kirk, na semana passada, o chefe da Comissão Federal de Comunicações, Brendan Carr, ameaçou as emissoras de televisão com “multas ou revogação de licença” se continuassem transmitindo o programa noturno de Jimmy Kimmel na ABC.
A ofensiva aconteceu depois que o apresentador fez comentários interpretados por alguns como críticos ao movimento Make America Great Again (MAGA) e a Kirk. Na sequência, a ABC suspendeu o programa por tempo indeterminado.
Na quinta-feira, Trump sugeriu a repórteres que os veículos de comunicação deveriam ser punidos pela cobertura negativa de sua presidência.
— Eles só me dão publicidade ou cobertura negativa — disse o presidente. — Eles têm uma licença, acho que talvez essa licença devesse ser retirada.
Foco de notícias
O Departamento de Defesa tem sido um ponto focal do escrutínio da imprensa em 2025, com veículos de comunicação revelando que o Secretário de Defesa, Pete Hegseth, havia divulgado planos de guerra confidenciais em um grupo de bate-papo privado que incluía um repórter.
Em outro caso, jornais reportaram que Hegseth havia convidado o bilionário Elon Musk para um briefing sobre os planos ultrassecretos do governo caso uma guerra eclodisse com a China. Mais recentemente, a cobertura jornalística levantou questões sobre a legalidade de dois ataques militares a barcos venezuelanos que mataram 14 pessoas.
Sob a supervisão de Hegseth, o Pentágono impôs uma série de restrições à capacidade da mídia de cobrir os militares. A primeira delas foi uma decisão no final de janeiro de remover quatro veículos de comunicação de seus espaços de trabalho no Pentágono em favor de outros portais de notícias, como o Breitbart News, que forneciam uma cobertura vista pela administração como mais favorável.
O Secretário de Defesa, que é ex-apresentador da Fox News, tem tomado uma posição cada vez mais adversária com a imprensa, acusando repetidamente os jornalistas de tentarem “sabotar” a agenda de Trump ao publicar informações vazadas por “ex-funcionários descontentes”. Desde que assumiu o cargo, Hegseth realizou apenas uma coletiva de imprensa, após um ataque militar ao Irã em junho.
“A ‘imprensa’ não comanda o Pentágono — o povo é que comanda”, escreveu Hegseth no X na sexta-feira.
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