Por Marcelo Tognozzi*
Quando o presidente Donald Trump anunciou tarifas de 50% sobre produtos brasileiros e aplicou a Lei Magnitsky contra juízes da Suprema Corte, a reação do Itamaraty foi cruzar os braços enquanto o presidente Lula adotava o discurso da defesa da soberania e anunciava medidas para ajudar empresas prejudicadas pelo tarifaço. A política de Trump, apoiada pelo bolsonarismo, foi um tiro pela culatra e fez de Lula o candidato favorito nas eleições do ano que vem. A situação se inverteu a tal ponto que vemos a oposição atordoada e o governo mandando no jogo.
Diante da pressão da Casa Branca, o presidente não deixou nossa diplomacia agir. Queria esticar a corda e ganhar votos. Enquanto Lula fazia política, o empresariado brasileiro se mexia em Washington. Joesley Batista, da JBS, Carlos Sanchez, da EMS, João Camargo, do Grupo Esfera, e o presidente da CNI (Confederação Nacional da Indústria), Ricardo Alban, fizeram aquilo que o professor Witold Henisz da Wharton School define como diplomacia corporativa no seu clássico “Diplomacia Corporativa”.
Leia maisJoesley Batista aprendeu a fazer diplomacia empresarial com a expansão da JBS, empresa onde trabalham 280 mil pessoas no mundo todo. Sua empresa foi a única das campeãs nacionais financiadas pelo BNDES a vingar. Ele e seu irmão Wesley apanharam muito no Brasil, na Austrália e até nos Estados Unidos. Passaram por situações de altíssimo risco, como processos por corrupção e até cadeia. Mas conseguiram sair mais fortes, diferentemente de outros empresários que sucumbiram ao furacão da Lava Jato.
Desde que botaram os pés nos Estados Unidos, os Batistas não deixaram de atuar politicamente. Foram doadores na 1ª eleição de Trump. Na 2ª, idem. Deram US$ 5 milhões para a festa de posse de Trump em janeiro deste ano.
No início de setembro, Joesley foi recebido pelo presidente norte-americano. A conversa girou sobre a importação de carne brasileira e os argumentos dele foram diretos e precisos: se a Casa Branca não baixar as tarifas da carne brasileira, o preço do hambúrguer aumentará, porque será feito com carnes mais caras.
João Camargo, do Esfera, fez um approach junto à chefe do staff da Casa Branca Susie Wiles, uma das pessoas mais poderosas de Washington com total acesso a Trump. Publicou seus encontros no Instagram.
A ação dos empresários precedeu a chegada do presidente Lula para a Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas). Cada um fez sua parte ajudando a distensionar a relação entre os 2 governos. Carlos Sanchez, da EMS, foi ao Capitólio dizer aos congressistas norte-americanos que o Brasil é um país democrático, com as instituições funcionando e eleições acontecendo.
Quando Trump e Lula se encontraram durante aqueles 39 segundos de “química muito boa”, assim descritos pelo presidente norte-americano, a diplomacia empresarial colhia seus resultados investindo tempo e dinheiro para salvar negócios e empregos.
A diplomacia empresarial tem crescido desde o início dos anos 2000, quando tanto as grandes corporações quanto as empresas menores passaram a conviver com os mais diversos atores políticos, como ONGs, associações comunitárias, mídia e opinião pública. Um fenômeno mundial.
Aqui no Brasil, por exemplo, os líderes do agronegócio tiveram de fazer sua parte diante do bombardeio pesado sofrido durante anos. As ações do empresariado nos EUA são um indicativo de que as coisas começam a mudar para melhor, porque não basta só o governo para tratar dos interesses do país.
O professor suíço Raymond Saner, estudioso da diplomacia empresarial, propõe que as empresas formem seus executivos para atuarem como verdadeiros diplomatas. Ele entende ser esta uma diplomacia mais ampla, na qual o viés estratégico deve compor com os impactos ambientais e sociais.
Um bom exemplo de diplomacia empresarial foi dado pela Coca-Cola. Em 2001, a empresa foi acusada de envolvimento com tortura e assassinato de líderes sindicais na Colômbia. Enfrentou um processo duro, incluindo ações nos EUA e danos à imagem e reputação. Só foi revertido com uma ação da companhia focada na criação de programas de diálogo social, envolvimento de ONGs, sindicatos e organismos multilaterais.
Com a Shell se deu o contrário no caso da poluição do delta do rio Níger, na Nigéria. A empresa se negou a conversar com os agricultores nigerianos e, em 2008, eles entraram na Justiça contra a companhia. Em 2021, um tribunal holandês condenou a Shell. A sentença foi confirmada 4 anos depois por uma Corte do Reino Unido. Um dano contundente para a imagem da companhia.
Voltando ao caso brasileiro, o New York Times publicou uma reportagem mostrando que a política de Trump está empurrando o Brasil para os braços da China e este caminho pode ser irreversível. O argumento foi reforçado pelos empresários e, tudo indica, fez efeito. O caso do café, por exemplo, é exemplar. Os EUA taxaram, a China aumentou as compras, porque os chineses sabem que quando o café faltar poderão vender a um preço maior.
Se por um lado a guerra tarifária desencadeada por Trump teve efeitos negativos sobre as exportações brasileiras, por outro obrigou os empresários a deixarem a zona de conforto e entrar no jogo diplomático. Enquanto Lula fazia sua política batendo de frente com Trump, eles foram tratar de garantir mercado externo, empregos e produção. Afinal, continua valendo a máxima de Henry Kissinger sobre o jogo do poder: “A América não tem amigos e inimigos permanentes; tem interesses”.
*Jornalista e consultor independente
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