Em 1917, já em Paris, depois de ter sido expulso pela elite judaica de La Chaux-de-Fonds, acusado de não cumprir contratos profissionais, Le Corbusier — agora com o nome artístico — conhece o pintor francês Amédée Ozenfant. No ano seguinte publicam o manifesto de fundação do purismo na arquitetura: “Aprés le cubisme”. Naquela reflexão ele traz as primeiras percepções do impacto das novas tecnologias na arquitetura. Pontes, barragens, fábricas, tudo em grandes dimensões, sinalizando o advento de uma nova Era moderna.
Curiosamente, o texto traz uma conexão com a clássica “grandeza romana”. Em outubro de 1920, agora em companhia, também, do poeta belga Paul Dermée, o trio lança a revista “L’Espirit Nouveau” (1920/25). Um espaço editorial para o embrionário movimento de vanguarda e as reflexões sobre o purismo na arquitetura. “Roma se ocupava de conquistar o universo e gerencia-lo. Estratégia, suprimentos, legislação: espírito de ordem[…]. A ordem romana é uma ordem simples e categórica […]. Eles tinham desejos imensos de dominação, de organização”, escreveu Le Corbusier, na 14º edição da revista, sublinhando a disciplina e a ordem, que o encantavam como fundamentos da antiga civilização romana. Nesse período, Le Corbusier e o seu primo Pierre Jeanneret, projetam a Ville La Roche (onde hoje funciona a Fundação Le Corbusier), em Paris, para o banqueiro suíço Raoul La Roche.
Foi também nesse início dos anos 20, que ele lançou o seu clássico “Ver une Achiteture” rapidamente traduzido na Europa e nos Estados Unidos. Havia naquela ocasião, certamente uma consequência das preocupações com a salubridade e a higiene urbanas evidentes no século 19, como ilustra a grande e clássica reforma de Paris do Barão Haussmann, a construção de espaços urbanos higiênicos, ordenados e funcionais. Era uma proposta para uma reflexão e um refazimento da forma de se organizar, trabalhar e viver a luz da história e das “tradições”.
Em 1927, os líderes do primeiro grupo fascista francês, “Le Faisceau”, encantaram-se com as ideias do arquiteto franco-suíço expressas no seu “Plan Voisin”. George Valois, no seu artigo “La Nouvelle Etape De Fascisme”, disse que ele expressava o pensamento profundo do fascismo com a sua cidade moderna. Corbusier, durante quase vinte anos, teve uma participação ativa no “Le Faisceau”, defendendo um estado forte, intervencionista e autoritário. Eram evidentes suas críticas à democracia moderna que nasce com a Revolução Francesa.
Convidado por Paulo Prado — rico e um dos patrocinadores da Semana de Arte Moderna de 1922 — Le Corbusier desembarca em Santos, na sua primeira visita ao Brasil, no dia 17 de novembro de 1929. Entre São Paulo e o Rio de Janeiro, ele faz uma série de palestras, antecipando o que apresentaria na Carta de Atenas de 1933. No IV Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (CIAM), realizado a bordo do navio “Patris II”, foram apresentadas as teses básicas do urbanismo moderno: habitação, trabalho, lazer e circulação; as áreas verdes e de lazer deveriam estar distantes do setor industrial; o patrimônio e a memória arquitetônica deveriam ser preservados; o crescimento urbano teria que ser observado e administrado.
Assinaram o documento, além de Corbusier, os arquitetos Wiliam Morris e Tony Garneier. As questões ideológicas, naquele momento, não tinham ainda a densidade e tensões que o ocidente passaria a perceber e se posicionar com o início da II Guerra Mundial, em 1939. Portanto, as teses sobre o urbanismo e a arquitetura modernista, que se destacariam depois de 1945, pelo menos de uma forma direta, não se viam prejudicadas pelas posições ideológicas manifestas.
A fama, o reconhecimento e a notoriedade não afastaram Le Corbusier do fascismo italiano e do colaboracionismo francês com o nazismo. “A nova civilização da máquina nasceu há cem anos. As raízes são tão profundas que uma arquitetura e um planejamento urbano resplandecentes e magníficos…podem florescer sob o sinal milagroso da decisão, esse gesto que depende apenas da autoridade. A autoridade, essa força paterna”, disse o arquiteto ao encerrar uma palestra, em Roma, no ano de 1934.
Em fevereiro daquele mesmo ano, agora em Paris, ao saber de uma grande manifestação da extrema direita contra o parlamentarismo, ele observou: “o despertar da limpeza”. Às vésperas da guerra, em 1937, ele escreveu que almejava “uma sociedade ordenada, viril, higiênica, racional […] classifique as populações urbanas, ordene, elimine aqueles que são inúteis na cidade”. Em junho de 1940, quando o Marechal Pétain assinou um armistício com a Alemanha, entregando todos os judeus aos nazistas, Le Corbusier, em uma carta à sua mãe, escreveu: “Vitória milagrosa. Se tivéssemos ganhado, a podridão teria triunfado e nada de limpo jamais poderia pretender viver”.
“Le Corbusier tinha alguns notáveis rivais, mas nenhum deles teve a mesma importância na revolução da arquitetura, porque nenhum deles suportou insultos tão pacientemente e por tanto tempo”, disse André Malraux, herói e símbolo da resistência francesa, na cerimônia fúnebre do festejado urbanista, no átrio do Louvre, no dia 1 de setembro de 1965. Naquele momento, as feridas abertas pelos colaboracionistas ainda estavam abertas. O esquecimento era uma prudência, sobretudo quando se tratava de um símbolo da cultura, de certo modo, universal.
O relatório final e conclusivo da Comissão de Localização da Nova Capital Federal, presidida pelo Marechal José Pessoa, com minucioso e amplo detalhamento sobre todos os aspectos e procedimentos necessários para a mudança e edificação da cidade, apresentado em 1955, merece, pelo menos, dois destaques: a identificação dos cinco sítios possíveis para localização do núcleo urbano principal da cidade; e o primeiro Plano Piloto da capital que, pela sugestão de Pessoa, teria o nome de Vera Cruz.
O primeiro anteprojeto para a Futura Capital, é importante destacar, com as inspirações modernistas de Le Corbusier, foi apresentado pela primeira urbanista brasileira, Carmem Portinho, em 1939, como o seu trabalho de tese. Inspirada nos trabalhos da Comissão Cruls e as referências de Glaziou sobre o local onde seria o Lago Paranoá, sem um trabalho de campo, ela apresentou uma espécie de Ville Radieuse. Por coincidência, ou não, o projeto apresentado pelos engenheiros Raul Penna Firme, Roberto Lacombe e José Oliveira Reis, da equipe do Marechal Pessoa, traz os mesmos princípios do modernismo. Reis, Lacombe e Firme sugeriram a vinda de Le Corbusier para aconselhar a equipe brasileira. O Marechal Pessoa não acolheu a sugestão. Para ele, aquele era um desafio para os brasileiros!
A Comissão, seguindo as orientações do Relatório Belcher (fotos e analises), identificou, em cores para evitar a especulação imobiliária, os Sítios Azul, na região de Anápolis; o Amarelo, em Silvânia; o Verde, em Planaltina; o Castanho, onde é hoje o Plano Piloto; e o Vermelho, a 65 quilômetros de Unaí. Cada uma das regiões escolhidas foi devidamente analisada, considerando as adequabilidades já elencadas. Uma combinação se destacava: o Sítio devia ter uma altitude de cerca de 1.000m, em um terreno sem grandes ondulações, paisagem variada sem monotonia.
“As encostas seriam de pouca declividade, não excedendo a 8%, assim permitindo construir sobre elas sem dificuldades. Deve haver, também, uma área localizada em posição dominante, que possa ser aproveitada, de forma monumental, para o núcleo governamental da cidade”. Venceu o Sítio Castanho — onde fica o Plano Piloto — que somado ao Sítio Verde, constituem o Distrito Federal.
*O jornalista Jorge Henrique Cartaxo é diretor de Relações Institucionais do IHG-DF | A arquiteta Lenora Barbo é diretora do Centro de Documentação do IHG-DF
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