Por Jorge Henrique Cartaxo e Lenora Barbo*
Especial para o Correio Braziliense
“Não é o ângulo reto que me atrai, nem a linha reta, dura, inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual, a curva que encontro nas montanhas do meu país, no curso sinuoso dos seus rios, nas ondas do mar, no corpo da mulher preferida. De curvas é feito todo o universo — o universo curvo de Einstein.”
A frase clássica de Oscar Niemeyer talvez defina, com simplicidade e poesia, seus grandes monumentos, palácios, casas, cidades, universidades, centros culturais e igrejas, que se espalharam pelo mundo ao longo do século 20 e nos primeiros anos do século 21, durante todo o seu centenário de vida.
Leia maisCom 22 anos, à época trabalhando na tipografia do pai, Oscar Niemeyer, já casado com Annita Baldo, matriculou-se no curso de Engenharia e Arquitetura da Escola Nacional de Belas Artes. Nesse mesmo ano, Le Corbusier faria sua primeira viagem ao Brasil, onde proferiu inúmeras palestras no Rio e em São Paulo. Não há registro, naquele momento, de um encontro entre Niemeyer e Corbusier, já famoso urbanista do modernismo em ascensão na Europa e nos EUA. Entretanto, em 1930/1931, com a nomeação de Lucio Costa, então com 28 anos, como novo diretor da Escola Nacional de Belas Artes, um novo tempo se inaugurava.
Costa refez toda a estrutura de ensino da tradicional escola carioca, introduzindo as bases estéticas do urbanismo e da arquitetura modernistas — Walter Gropius, Le Corbusier e Mies van der Rohe. Convidou ainda, para aquela turbulenta experiência na ENBA, o arquiteto ucraniano Gregori Warchavchik, que havia projetado e construído a primeira casa modernista no Brasil, em São Paulo, no ano de 1927, por ocasião de seu casamento com Mina Klabin. Integravam também o quadro de grande mudança metodológica e de conhecimento promovida pelo jovem diretor as nomeações de Celso Antônio e do escultor alemão Leo Putz.
É nesse clima de refazimentos estéticos, institucionais e políticos que Oscar Niemeyer inicia o curso superior, concluindo-o em 1934, na antessala de outra grande mudança: o Estado Novo, em 1937. Durante o terceiro ano do curso, já no período do estágio profissional, em vez de procurar uma construtora — como era comum à época —, Niemeyer decide trabalhar de graça no escritório de Lucio Costa, Warchavchik e Carlos Leão. “Não temos recursos para lhe pagar”, teria dito Costa a Oscar, quando este lhe pediu o emprego.
Essa aproximação profissional com Lucio Costa definiria, em grande parte, o destino e o sucesso de Niemeyer no Brasil e no mundo. O revolucionário diretor da Escola Nacional de Belas Artes traria para o urbanismo e a arquitetura brasileiros um novo conceito: a união da tradicional arquitetura colonial com os princípios modernistas (pilotis, fachadas livres, terraço-jardim, funcionalidade) e com os novos materiais dominantes — concreto, vidro e ferro. Dali sairiam as linhas e curvas de Niemeyer.
Depois da transformadora passagem pela Escola Nacional de Belas Artes, Lucio Costa foi convidado pelo então ministro da Educação, Gustavo Capanema, para projetar a nova sede do Ministério da Educação e Saúde. O concurso público para a realização do projeto — uma seleção para obras públicas instituída por Vargas — havia sido vencido pelo arquiteto cearense Archimedes Memória, o mesmo que projetou o ainda hoje famoso Palácio Tiradentes, antiga sede da Câmara dos Deputados e atual Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.
Archimedes não era modernista nem se alinhava aos movimentos estéticos liderados por Lucio Costa, tampouco às emanações da Semana de Arte Moderna de 1922, que havia animado São Paulo na década anterior. É importante destacar que Getúlio Vargas, já admirado por Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Di Cavalcanti, Ary Barroso e tantos outros, percebia o significado da música, da arte, da arquitetura e do urbanismo para o “novo Brasil” e o “novo brasileiro” que tinha em mente — a transição de um país agrário para uma nação industrial. E dessa nova estética ele soube fazer bom uso.
Lucio Costa tanto fez e insistiu, e era tamanho o seu prestígio e credibilidade, que Gustavo Capanema o levou ao próprio Getúlio Vargas. Ele não queria apenas a anulação do concurso; queria mais: que Le Corbusier — então já famoso e radiante no mundo — fosse convidado como consultor do novo edifício que desejava como monumento. Lucio e sua equipe — Carlos Leão, Affonso Eduardo Reidy, Jorge Moreira e Ernani Vasconcellos (Oscar não a integrava inicialmente) — defendiam um projeto modernista para o ministério, na sua mais ousada concepção, mas ressentiam-se de uma maior intimidade com a nova estética. Getúlio adorou a defesa entusiástica do jovem Lucio Costa, deu uma boa gargalhada, duas baforadas e mandou buscar o arquiteto franco-suíço. Prudente, Capanema advertiu: “Lucio, o seu convidado terá quatro semanas para concluir o trabalho dele aqui.”
“Ele viajou pelo Graf Zeppelin, que fazia em quatro a cinco dias a rota do Atlântico Sul, pousando em Santa Cruz. E fomos todos, de madrugada, esperá-lo, em companhia de Hugo Gouthier, então do gabinete do ministro, chefiado por Carlos Drummond de Andrade. Tínhamos escritório no Edifício Castelo, na Av. Nilo Peçanha, 151, onde ele se instalou, mantendo inicialmente certa reserva conosco, pois, ignorando as circunstâncias da sua convocação, julgava-se convidado por iniciativa do próprio ministro, desejoso do seu parecer sobre a construção projetada.
[…] Considerou, de saída, o terreno impróprio, porque estaria em pouco tempo cercado por prédios inexpressivos. Parecia-lhe que o edifício deveria ficar voltado para o mar e o Pão de Açúcar, fixando-se na área correspondente, antes do segundo aterro, àquela onde agora se encontra o MAM, e para ela elaborou, com extrema espontaneidade, o belo risco de um edifício de partido baixo e alongado, que serviu depois de base ao projeto definitivo. […] Teve assim que implantar o bloco no sentido norte-sul, com fachadas para leste e oeste, o que resultou numa composição algo contrafeita, que não agradou nem a ele nem a nós.
Contudo, apesar dessa frustração final, ele ainda nos deixaria de quebra, sem querer — além dos planos para a Universidade, das aulas ao vivo e daquele risco fundamental —, uma dádiva: “foi durante esse curto, mas assíduo convívio de quatro semanas que o gênio incubado de Oscar Niemeyer aflorou”, contaria depois Lucio Costa, sublinhando que Niemeyer havia insistido para entrar na equipe e que, durante aquelas quatro semanas, seria o desenhista de Le Corbusier. E deu no que deu!
Em 1939, dois anos depois da visita de Le Corbusier, Oscar e Lucio, com projetos distintos, participaram do concurso que escolheria o pavilhão brasileiro na Feira Mundial de Nova York. Lucio venceu, mas considerou o projeto de Oscar mais identificado com o modernismo. Propôs uma parceria com o amigo para juntos produzirem um novo projeto, agora com a colaboração de Paul Lester Wiener. O sucesso foi absoluto. Niemeyer recebeu do prefeito Fiorello La Guardia as chaves da cidade de Nova York. Já em 1940, Juscelino Kubitschek convidou Niemeyer para construir o que ficou conhecido como “Conjunto Arquitetônico da Pampulha”, no qual se destaca a Igreja de São Francisco de Assis, obra-prima do complexo, com jardins de Roberto Burle Marx e painel de Portinari.
Tão logo Oscar concluiu seus projetos na Pampulha, teve início, em Nova York, com grande impacto mundial, a exposição Brazil Builds, no Museu de Arte Moderna de Nova York, oferecendo ao mundo a evolução da arquitetura brasileira desde o século 17 até a segunda metade do século 20. Com o impacto da exposição — que teve destaque especial para o modernismo —, Niemeyer reafirmou sua contemporaneidade e talento perante o mundo. Em 1947, novamente em Nova York, integrou a equipe encarregada de projetar a sede das Nações Unidas. Em 1948, inaugurou a sede do Banco Boavista, com sua impactante fachada envidraçada, no Rio de Janeiro.
Já comunista militante, Niemeyer foi impedido pelo governo americano de assumir o cargo de reitor da Escola de Design da Universidade Harvard. Mesmo assim, a partir de então, suas obras e publicações se espalharam: o Parque do Ibirapuera (1950) e o Edifício Copan (1953-1966), em São Paulo; o Edifício Niemeyer e a Biblioteca Pública, na Praça da Liberdade (1954), em Belo Horizonte. Em 1955, fundou a revista Módulo, a mais importante publicação sobre arquitetura no Brasil até 1964. Em 1957, coordenou o concurso para a construção de Brasília. Lucio Costa saiu vitorioso com seu plano urbanístico, e caberia a Oscar Niemeyer edificar a monumentalidade da cidade.
Ele estava em Israel, em 1964, quando o presidente João Goulart foi deposto. De volta ao Brasil, percebeu que sua permanência no país seria impossível. Em 1966, mudou-se para Paris, quando recebeu do presidente De Gaulle autorização especial para exercer a arquitetura na França. Depois de abrir seu escritório na Avenue des Champs-Élysées, Niemeyer foi convidado a projetar a sede do Partido Comunista Francês; a sede da Editora Mondadori, na Itália; a Bolsa de Trabalho de Bobigny; e o Centro Cultural de Le Havre, entre outros.
Com a abertura política em 1980, já no governo Figueiredo, Oscar Niemeyer voltou ao Brasil. Uma miríade de obras caiu em suas mãos: os Cieps, no Rio de Janeiro; o Memorial JK, em Brasília; o Memorial da América Latina, em São Paulo; o Panteão da Pátria, em Brasília; o Museu Nacional, em Brasília; o MAC e o Teatro Popular, em Niterói; e a sede da Fundação Oscar Niemeyer.
Em 2007, no seu centenário, lúcido e trabalhando, recebeu o título de Comendador da Ordem Nacional da Legião de Honra, a mais alta condecoração do governo francês; a condecoração da Ordem da Amizade, do presidente russo Vladimir Putin; e escolheu pessoalmente, junto com o Iphan, o tombamento de 35 obras suas.
Ainda centenário, fez o Centro Niemeyer, em Avilés (Astúrias, Espanha), e a Cidade Administrativa de Minas Gerais. O grande modernista brasileiro — talvez o arquiteto modernista com mais obras no mundo — faleceu no Rio de Janeiro, em 2012, aos 104 anos.
*Jorge Henrique Cartaxo é jornalista e diretor de Relações Institucionais do IHG-DF | Lenora Barbo é arquiteta e diretora do Centro de Documentação do IHG-DF
Leia menos

















