Quando o Legislativo se omite e o Judiciário avança, a atuação estratégica do advogado torna-se indispensável para restaurar o equilíbrio institucional e proteger empresas e cidadãos dos efeitos da insegurança jurídica.
Por Eduardo Figueiredo*
A judicialização das políticas públicas deixou de ser exceção para se tornar uma das marcas mais preocupantes da realidade institucional brasileira. Saúde, educação, previdência, meio ambiente e assistência social são áreas onde decisões judiciais impactam diariamente não apenas o planejamento governamental, mas também a vida de empresas e cidadãos que dependem de regras claras e estáveis para conduzir seus negócios e planejar seu futuro.
Por trás desse fenômeno, há uma crise mais profunda: o desequilíbrio entre os Poderes constitucionais. A falta de coragem política da última geração de legisladores em enfrentar temas sensíveis e construir políticas públicas adequadas ao nosso tempo criou um vácuo normativo que o Judiciário tem sido chamado, ou se sentido compelido, a preencher. O Congresso Nacional, paralisado por disputas partidárias e receoso de assumir o ônus político de decisões impopulares, transfere ao magistrado o que deveria resolver no debate democrático.
Leia maisO resultado é uma crescente confusão de competências. Juízes passam a definir parâmetros de políticas que deveriam nascer da deliberação parlamentar. Tribunais determinam a alocação de recursos, prioridades administrativas e até mesmo o conteúdo de direitos que a Constituição deixou para o legislador regulamentar. Em casos extremos, abre-se margem ao ativismo judicial, fenômeno em que o Poder Judiciário ultrapassa os limites da interpretação normativa para, na prática, legislar. Não se trata de culpar os magistrados, que frequentemente agem para suprir omissões inadmissíveis. Trata-se de reconhecer que essa dinâmica compromete a separação de poderes e gera insegurança jurídica generalizada.
Para as empresas, esse cenário representa imprevisibilidade: contratos, investimentos e planejamentos estratégicos ficam à mercê de decisões judiciais que podem alterar regras sem aviso prévio. Para os cidadãos, significa a fragmentação de direitos, garantidos para uns por força de sentença, negados a outros que não tiveram acesso ao Judiciário. A igualdade perante a lei se transforma em loteria processual.
Diante dessa crise, qual é o papel da advocacia?
O advogado contemporâneo, especialmente aquele com formação em gestão de políticas públicas, assume uma função que transcende a representação judicial. Ele se posiciona como articulador entre os Poderes, capaz de traduzir demandas sociais em proposições normativas viáveis e de antecipar os riscos da omissão legislativa antes que ela se converta em conflito judicial.
Esse profissional atua como ponte entre o que a Constituição promete e o que a gestão pública consegue entregar. Ao participar do desenho de programas, da avaliação de impacto regulatório e da construção de mecanismos de controle, ele contribui para que políticas públicas nasçam juridicamente sólidas, reduzindo a necessidade de intervenção judicial. Ao assessorar empresas na compreensão do ambiente regulatório instável, oferece a previsibilidade que o Estado não consegue garantir. Ao orientar gestores públicos, ajuda a evitar as falhas de planejamento que alimentam a judicialização.
Mais do que interpretar leis, esse profissional ajuda a antecipar problemas, reduzir conflitos e garantir que direitos saiam do papel sem depender exclusivamente de sentenças. Em um ambiente institucional marcado pela tensão entre os Poderes e pela cobrança por resultados, a presença desse perfil técnico é fundamental para que o Brasil reencontre o caminho do diálogo democrático.
É dessa combinação entre rigor jurídico, visão de gestão e compromisso com a ordem constitucional que nasce uma advocacia à altura dos desafios do seu tempo, capaz de contribuir para que políticas públicas sejam construídas onde deveriam: no espaço legítimo da representação popular, e não nos gabinetes dos tribunais.
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