Por Milton Coelho
A realização da COP30 em Belém, um dos eventos ambientais mais importantes do planeta, reacendeu um debate antigo no Brasil: a tendência de parte da mídia nacional de enfatizar o que há de negativo quando o país sedia grandes encontros internacionais. Desta vez, o foco foi o preço dos alimentos dentro da área do evento, com vídeos de jornalistas exibindo água a R$ 25, coxinhas a R$ 45 e refeições acima de R$ 110.
A repercussão foi grande e imediata. Para muitos, tratou-se de um alerta legítimo sobre custos abusivos; para outros, um novo episódio de “viralismo rodriguiano”, expressão que remete à crítica de Nelson Rodrigues sobre o complexo de inferioridade nacional: a mania de diminuir tudo o que é brasileiro.
Leia maisOs empresários responsáveis pelos quiosques explicaram que os custos elevados derivam de logística complexa: montagem provisória de estruturas, licenças especiais, transporte, equipamentos, energia e operação intensiva durante apenas 15 dias. Esse tipo de gasto, argumentam, não existe na rotina de restaurantes comuns e precisa ser incorporado ao preço final.
A comparação com a COP28, realizada em Dubai, é inevitável. Nas redes, circulou a ideia de que refeições lá custariam “o equivalente a 1 real”, algo sem qualquer base factual. A edição nos Emirados Árabes também teve preços altos, especialmente em hospedagem, alimentação e deslocamento. O que houve de diferente foi o enquadramento noticioso: no exterior, destacou-se a oferta de menus variados e a infraestrutura impecável; já no Brasil, vídeos indignados dominam o noticiário.
Esse contraste levantou suspeitas de que grandes eventos no país são tratados sob uma lente mais negativa do que eventos equivalentes no exterior. Não seria a primeira vez. O Brasil já viveu isso durante a Copa do Mundo, Olimpíadas e encontros multilaterais anteriores.
A denúncia dos preços altos possui, sem dúvida, valor jornalístico. Eventos dessa escala precisam ser transparentes, acessíveis e justos. Mostrar valores que parecem fora da realidade local é tarefa legítima do jornalismo, especialmente quando o público internacional inclui delegados de países mais pobres.
No entanto, é difícil ignorar que a mesma indignação raramente aparece quando os preços exorbitantes ocorrem nas grandes capitais brasileiras – como São Paulo ou Brasília, onde refeições igualmente caras são comuns, mas não viram manchete. Quando o evento é global e ocorre aqui, a lupa parece maior, e o tom, mais ácido.
A polêmica dos preços na COP30 evidencia um encontro entre dois movimentos: a necessária fiscalização jornalística e um certo hábito nacional de super expor nossos próprios problemas diante do mundo. Os altos valores praticados em Belém merecem investigação e debate – mas também merecem contextualização. A COP30 traz recursos, visibilidade e oportunidades para Belém e para o Brasil. Criticar o que precisa ser criticado é essencial, mas repetir velhos padrões de autodepreciação pode nos fazer perder de vista o que realmente importa: sediar um evento global com seriedade, orgulho e senso de responsabilidade. Se o objetivo é construir um Brasil mais respeitado, talvez seja hora de equilibrar o rigor com reconhecimento – e deixar para trás o vira-latismo que Nelson Rodrigues tão bem descreveu.
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