Por Carlos Madeiro
Do UOL
O CNJ determinou a abertura de um PAD (Processo Administrativo Disciplinar) contra sete magistrados suspeitos de integrarem um esquema de corrupção dentro do TJ-MA (Tribunal de Justiça do Maranhão). Entre os alvos está a cunhada do ex-presidente José Sarney, a desembargadora Nelma Sarney, que era corregedora-geral de Justiça.
Ela e os demais suspeitos que estavam na ativa foram afastados de seus cargos. A análise do caso ocorreu na sessão ordinária do CNJ da terça-feira, e a abertura de processo foi aprovada por unanimidade.
Leia maisSegundo o corregedor nacional de Justiça, Mauro Luiz Campbell, relator do caso, a denúncia revelou uma “organização criminosa estruturada” que articulava decisões fraudulentas contra o Banco do Nordeste. O esquema envolvia corrupção de desembargadores e juízes, que se encarregavam de proferir decisões em desacordo com as normas.
A apuração, que também corre na esfera criminal e tramita no STJ (Superior Tribunal de Justiça), começou após uma sindicância aberta com base em relatórios de inteligência financeira do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).
“Esses relatórios indicavam a existência de transações suspeitas e apontavam para a ocorrência de diversas movimentações atípicas de levantamento de alvarás em processos fraudulentos, causando prejuízo ao Banco do Nordeste, mediante o proferimento de decisões judiciais suspeitas”, afirmou Campbell em seu voto pela abertura do PAD.
Além de Nelma, também foram afastados os desembargadores Marcelino Chaves (aposentado), Antônio Pacheco Guerreiro Júnior, Luiz Gonzaga Almeida Filho, e os juízes Sidney Cardoso Ramos (aposentado), Alice de Souza Rocha e Cristiano Simas de Souza.
Casos citados
O esquema seria centralizado em torno de Francisco Xavier de Sousa Filho, ex-advogado do Banco do Nordeste, que ingressava na Justiça com ações fraudulentas de cobrança de honorários advocatícios.
Os desembargadores, segundo Campbell, “articulavam a indicação de magistrados específicos” para proferir decisões favoráveis a Francisco mediante o recebimento de propina.
A primeira fraude citada para a abertura do PAD ocorreu em 2 de outubro de 2015, quando a juíza Alice Rocha determinou a expedição de um alvará de R$ 14,1 milhões em favor de Francisco Xavier, “em flagrante contrariedade ao parecer técnico da contadoria”.
Indignado, o Banco do Nordeste ajuizou um mandado de segurança, e o processo foi distribuído para o desembargador Marcelino Chaves.
“Em uma manobra dilatória, para ganhar tempo e permitir a consumação do crime, solicitou informações da magistrada. Essa estratégia possibilitou que o levantamento da totalidade dos valores ocorresse no dia 5 de outubro, antes que qualquer medida judicial pudesse impedir.”
Uma segunda fraude foi apontada em uma ação de cobrança ajuizada em 2000, também contra o Banco do Nordeste. Francisco pedia crédito decorrente de sua atuação como advogado do banco público.
Em 12 de julho de 2019, a juíza Alice Rocha reconheceu a prescrição do pedido, mas a apelação foi distribuída ao desembargador Guerreiro Júnior, que determinou o cumprimento provisório — e, depois, o definitivo — para o pagamento de R$ 3,5 milhões.
O Banco do Nordeste recorreu, demonstrando que o valor correto seria R$ 13,5 mil, alegando erro na conversão do cálculo de honorários.
“Em 27 de julho de 2022, a juíza Alice Rocha simplesmente acolheu o pedido sem sequer remeter os autos à contadoria e determinou a penhora de R$ 4.851.921,74”, relatou Campbell.
O desfecho do esquema, segundo ele, ocorreu em 17 de março de 2024, quando o juiz Cristiano Simas determinou a liberação de um novo alvará de R$ 3,4 milhões em favor de Francisco Xavier.
Propinas pagas
O corregedor cita que, para proferirem decisões fraudulentas, os magistrados recebiam propina em valores que foram especificados na apuração.
A juíza Alice Rocha, por exemplo, teria recebido R$ 164 mil em depósitos fracionados, com “indícios de lavagem de dinheiro e contraprestação ilícita”.
Já Cristiano Simas de Souza teria recebido R$ 606 mil em 52 depósitos em espécie, parte deles feitos por ele próprio — uma operação “típica de lavagem de dinheiro”. Mensagens indicam também a sua participação na “divisão do dinheiro da propina”.
O desembargador Marcelino Chaves também foi citado: ele recebeu R$ 57.050,50 em 18 depósitos fracionados de dinheiro em espécie como “contraprestação ilícita”.
Outros suspeitos não tiveram valores identificados, mas aparecem em conversas que revelam pedidos de pagamento. Em uma delas, o desembargador solicitava ao advogado “aquele negócio prometido de Luna” (em referência à propina), e seu assessor teria movimentado “milhões de reais” para dissimular transferências ilícitas.
Nelma no centro do esquema
Segundo o corregedor, a desembargadora Nelma Sarney teve papel relevante no esquema por usar o cargo de corregedora-geral de Justiça do Maranhão para direcionar casos a magistrados favoráveis às fraudes.
Campbell cita que ela agiu “sem qualquer critério objetivo [ao] redistribuir a execução para a magistrada Alice de Souza Rocha”, caracterizando um ato crucial para o êxito da organização criminosa.
“Todos esses elementos comprovam a existência de verdadeira organização criminosa estruturada no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, cujo objetivo específico era a concertação de decisões judiciais fraudulentas direcionadas contra o Banco do Nordeste para a obtenção de valores indevidos. O esquema criminoso seguia um padrão operacional bem definido”, afirmou Campbell.
O UOL tentou contato com o advogado Francisco Xavier de Sousa Filho, mas o número indicado no cadastro da OAB não completou as ligações. O espaço segue aberto.
A coluna também solicitou ao TJ-MA que contatasse os magistrados investigados para saber se gostariam de se manifestar, mas não houve resposta.
Durante a sessão do CNJ, os advogados dos magistrados negaram as acusações e afirmaram que não houve qualquer ilegalidade nos processos, o que, segundo eles, teria sido demonstrado ainda na fase de inquérito policial.
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