Em plena era das canções de gosto duvidoso, que fazem a cabeça das novas gerações, tratar nesta crônica do romantismo contagiante das serenatas soa como uma provocação. Mas as serestas, ou serenatas, estão de volta, por incrível que pareça, depois de um longo período adormecidas. Em Pernambuco, o grito de renascimento, a ousadia, vem de Santa Maria da Boa Vista, a 605 km do Recife, modelo para outras cidades.
Ali, o cenário próprio e inerente para uma seresta, com ambientes que reportam ao romantismo europeu, de onde surgiram as serenatas, encanta e seduz. Se passa em casarões e prédios mais que centenários, beirando o Rio São Francisco, com a luz exuberante da lua cheia estendida sobre as águas do Velho Chico, o chamado Rio da Integração Nacional.
Leia maisSerenatas prescindem da natureza romântica. Em Floresta, que se inspirou em Santa Maria da Boa Vista, os seresteiros saem tocando e cantando num verdadeiro arrastão, de cores e luz, em torno do seu belo sítio histórico, que enche os olhos de qualquer coração com um mínimo de dosagem tocada pelo romantismo. É lindo de se ver. Fui lá no seu primeiro ano, com minha Nayla, a convite da prefeita Rorró Maniçoba e do seu esposo Gatão, boêmio por natureza, cantor e tocador de violão.
Fiquei emocionado ao longo de todo o percurso. Relembrei os saudosos tempos de boemia. O encanto das serenatas reside na sua atmosfera romântica e tradicional, sendo uma performance musical noturna ao ar livre, com músicos cantando e tocando instrumentos (como violão) sob a janela da pessoa amada para cortejá-la ou homenageá-la, evocando nostalgia e emoção com melodias suaves, sendo um ato cultural que une o passado com a celebração do amor e da amizade.

Se Santa Maria e Floresta se descortinam, literalmente, para o abraço ao romantismo, imagina se minha Triunfo, com o ambiente mais propício e charmoso para declarações de amor, com seus casarões coloniais, ficaria de fora. Já fez o seu festival com esplendor. Chorei de emoção com aqueles homens de chapéu branco e gravatas borboletas rondando o cine-teatro, margeando o açude, parando em casarões centenários.
No Brasil, a origem das serenatas se deu em 1717, quando o viajante francês Le Gentil de La Barbinais a trouxe consigo, mas a sua história aparece nos livros desde 1505. Segundo o saudoso Câmara Cascudo, a seresta é a mistura do canto com a música instrumental, executados ao sereno, ao ar livre, diante da casa da amada. A serenata não foi inventada por uma única pessoa. Retrata um costume que evoluiu ao longo de muitos séculos, originando-se na Europa medieval.
Tratava-se de um evento lítero-musical em que um amante dedicava versos e músicas à pessoa amada, geralmente durante a noite e ao ar livre. Entre os exemplos mais famosos da serenata do século XVIII estão os de Mozart, cujas serenatas contêm uma multiplicidade de movimentos que vão de quatro a dez. Suas serenatas eram muitas vezes peças puramente instrumentais, escritas para ocasiões especiais, como as encomendadas para cerimônias de casamento.
As famosas serenatas de Mozart incluem Haffner, a Serenata notturna, e um de seus mais famosos trabalhos, Eine Kleine Nachtmusik. Acredita-se que as raízes da serenata remontam aos trovadores dos séculos XII a XIV, que usavam música e poesia para expressar emoções, muitas vezes sobre amores impossíveis. A prática floresceu durante esses períodos na Europa.
Compositores de música clássica, como Franz Schubert, fizeram peças instrumentais e vocais chamadas “Serenata” (ou Serenade em alemão), que se tornaram obras famosas. No Brasil, o costume foi trazido pelos colonizadores portugueses durante o período colonial. Grupos de músicos, conhecidos como seresteiros, cantavam e tocavam instrumentos de corda, como violão e cavaquinho, sob as janelas das pretendidas, à luz da lua, um costume boêmio que se tornou uma tradição cultural, especialmente em cidades históricas como Conservatória, no Rio de Janeiro.
Há muitos clássicos tocados em serenatas, entre elas a canção brasileira “Serenata”, composta por Silvio Caldas em parceria com Orestes Barbosa. Também uma famosa peça clássica intitulada “Serenata”, composta por Franz Schubert em 1826. Já o bombom Serenata de Amor foi criado por Henrique Maia Freund, fundador da empresa Garoto, em 1949.
Neste embalo saudosista do romantismo, Arcoverde, chão das minhas tertúlias (por causa da minha Nayla), está se preparando para o seu festival de serestas. Acontece na próxima sexta-feira, iniciativa do presidente da Câmara de Vereadores, Luciano Pacheco. Minha nova pátria ganha um banho de branco pelas suas ruas. Seu coreto, na Praça da Bandeira, nasceu para uma seresta ao amor da sua vida, o destino estava traçado pelo Cardeal Arcoverde.
O romantismo das serestas, se convença, toca no âmago do coração. É uma flecha de cupido acertando direção, entre a emoção e o medo, fogo que queima a alma e enche o espírito de contentamento. Do coreto, a moça da janela reaparecerá, embriagada pelas canções.
Serenata é assim, com a donzela sonhando acordada o sonho alado. As serestas, serenatas ou cantigas para a vida são lenitivos para os amantes na inocência. Penetram em corações de pedras duras.
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