Privatização da Compesa desgasta Raquel
Já que a oposição não se insurge de forma organizada e até judicialmente contra o processo de privatização da Compesa, os trabalhadores da estatal resolveram sair da inércia. A partir de hoje, cruzam os braços por tempo indeterminado. A greve foi aprovada em assembleia da categoria sem volta. Há um medo terrível dos servidores do quadro efetivo de que a Compesa tenha um tremendo retrocesso sendo entregue seu serviço de distribuição à iniciativa privada.
O temor não diz respeito apenas a instabilidade deles como trabalhadores. Vai mais além: a água, o bem maior da humanidade, pode sair mais cara para o consumidor. E isso, num ano pré-eleitoral, vai repercutir negativamente para a governadora Raquel Lyra (PSD), que fecha o terceiro ano com mais esse desgaste em meio a tantos outros, como a tentativa de promover um concurso sem respeitar as cotas raciais.
Leia maisA paralisação começa, daqui a pouco, com um grande ato em frente à sede administrativa da Compesa, na Rua Jaime da Fonte, em Santo Amaro. A decisão reflete o compromisso da categoria com a defesa de uma Compesa 100% pública, eficiente e com trabalhadores valorizados, e por um Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) justo.
A greve ocorre em meio ao processo de privatização parcial da Compesa. No dia 12 de setembro passado, a governadora confirmou a data do leilão de concessão parcial da Companhia, que prevê a transferência dos serviços de distribuição de água e coleta de esgoto para a iniciativa privada.
Na prática, a parte mais rentável e atrativa para o mercado será entregue ao setor privado, enquanto a produção e captação da água — etapa mais difícil, custosa e sujeita às mudanças climáticas — permanecerá sob responsabilidade pública. A categoria denuncia que esse modelo aprofunda a desigualdade no acesso à água e coloca em risco um serviço essencial, que deve ser garantido como direito humano e não como mercadoria.
O secretário de Recursos Hídricos, Almir Cirilo, garante que não haverá demissões na Compesa e que todos servidores serão aproveitados pela empresa que ganhar a operação da parte mais rentável da estatal. Mas quem confia na palavra de um governo que não cumpre o que diz?
SEM GARANTIAS – Os trabalhadores efetivos da Compesa desconfiam do Governo. Temem o futuro porque nenhum documento foi assinado dando garantia aos seus empregos. Nenhuma lei de reaproveitamento do quadro foi apresentada igualmente. “Estamos em campanha salarial e, desde a primeira reunião da mesa de negociação, o governo se recusa a formalizar qualquer garantia”, diz Kaline Lemos, assistente social da Compesa, do comando de greve. O movimento grevista, segundo ela, exige garantias reais de manutenção dos empregos, reposição salarial e respeito ao ACT, além de transparência sobre o futuro da Companhia e dos seus servidores.

Defesa do povo – A luta contra a privatização da Compesa não é apenas por direitos trabalhistas, mas em defesa do povo e do saneamento público. Os trabalhadores afirmam que a Compesa tem plenas condições de seguir sendo 100% pública, com investimento, valorização dos seus técnicos, concurso público e compromisso social. A greve é, portanto, uma resposta coletiva a um projeto que ameaça a soberania sobre um bem essencial: a água.
Longe de ser mercadoria – “Estamos nas ruas para dizer que água é vida, não é mercadoria. Pernambuco precisa de uma Compesa pública, forte e comprometida com o interesse do povo, não com o lucro das empresas”, reforça Lívia Clemente, assistente social também do comando de greve. Com faixas, palavras de ordem e o apoio de diversas entidades sindicais e movimentos populares, os trabalhadores reafirmam que esta é uma greve em defesa da Compesa, da classe trabalhadora e do direito à água para todos em Pernambuco.
Cartas marcadas – Pelo menos até a deflagração da greve por tempo indeterminado a partir de hoje, a oposição se restringiu a fazer meros discursos na Assembleia Legislativa se opondo ao processo de privatização da Compesa. A esta altura, o que os servidores esperam dos deputados é um movimento unificado capaz de barrar a privatização na justiça. De fato, há muitas brechas para contestação e suspeitas de que seja um jogo de cartas marcadas. Para esconder o que pode ser mais prejudicial à população, que também não despertou para o fato de que a água ficará com preço mais salgado, a governadora usa o termo concessão e não privatização.

A dinheirama da privatização – A governadora está com os cofres estaduais abarrotados de dinheiro com os empréstimos autorizados pelo Legislativo e encontrou na privatização da Compesa, segundo os servidores da estatal, uma forma de abocanhar mais recursos em ano pré-eleitoral. Fala-se que o leilão dos serviços de distribuição de água vai render em torno R$ 19 bilhões ao Estado. O edital marcou a entrega das propostas para 11 de dezembro próximo e a realização do leilão uma semana depois, em 18 de dezembro, na na Bolsa de Valores de São Paulo. O projeto pretende atrair R$ 19 bilhões em investimentos privados para a universalização do saneamento, somando-se a R$ 16 bilhões em recursos estaduais. O tempo da concessão é de 35 anos.
CURTAS
DUAS REGIÕES – Para a concessão, a Compesa foi dividida em duas regiões: a Microrregião de Água e Esgoto (MRAE2) que vai da Região Metropolitana do Recife até a região do Pajeú (RMR-Pajeú) – composta por 160 municípios – e da MRAE1, composta por 24 municípios do Sertão. Especialistas afirmam que o modelo de concessão parcial não é o mais recomendado.
O OSSO – A parte que vai continuar pública, a de produção e captação da água, é o osso, a mais difícil e custosa e está sujeita a intempéries, principalmente diante das mudanças climáticas. Já a parte de distribuição, que será entregue à empresa privada — ou empresas, já que cada região será um leilão diferente – é a mais atrativa para o mercado, por ser mais rentável.
BRK NO LEILÃO – A experiência com a BRK, empresa privada que já atua na Região Metropolitana em uma Parceria Público-Privada (PPP), é frequentemente evocada como um exemplo do que não deve ser repetido. O governo reconhece que o contrato com a BRK caminha para um distrato, mas coloca a culpa na falta de fiscalização do governo anterior. O presidente da Compesa, Douglas Nóbrega, diz que está fiscalizando e aplicando sanções para que a BRK cumpra o contrato nos acordos previstos. Porém, não há nenhum impedimento legal para que a empresa participe do leilão da Compesa.
Perguntar não ofende: Em quanto ficará mais cara a água com a privatização da Compesa?
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