Por Ananias Solon*
Essa fantástica história tive o prazer de escutar por várias vezes do nosso saudoso amigo Zé Alves que também, em caráter de testemunho vivo, escutou por várias vezes do próprio Zé Guedes antes de falecer.
Foi no começo das desavenças entre Zé Saturnino, da Fazenda Pedreira em Serra Talhada, em Pernambuco, e os irmãos Ferrreira, do Sítio Passagem das Pedras, também em Serra Talhada, que se deu essa tremenda cilada.
Zé Guedes era um fiel protetor e homem de confiança de Zé Saturnino. Ele era um caboclo mulato, esperto, bom no gatilho. No ano de 1919, mês de novembro, as trovoadas estavam boas, a caatinga estava verde. Zé Guedes foi fazer uma visita ao Major João Nogueira, da Fazenda Serra Vermelha, que era sogro de Zé Saturnino.
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Nessa época a encrenca de Zé Saturnino e os Ferreira estava acirrada. Os Ferreira tinha sede de pegar Zé Guedes de todo jeito. O Major João Nogueira, já de idade, inadivertidamente, mandou Zé Guedes apanhar uma carga de milho no paió do chalé da roça de dentro, que ficava a 4 km da Fazenda Serra Vermelha.
Zé Guedes era um homem desassombrado e corajoso. De posse de um rifle tipo Bala U, de 18 tiros a tiracolo e um borná com bastante balas, seguiu puxando o jumento com a cangalha e caçuás para o referido roçado. Chegando na porteira, deu uma olhada na várzea descampada e viu o chalé do milho encostado ao cercado.
Virgulino e Antônio Ferreira, juntos com seus cabras, sempre de tocaia nas terras do Major João Nogueira, que era sogro de Zé Saturnino, estavam prontos pra dar o bote nas presas inimigas: Zé Saturnino e Zé Guedes.
Avistaram Zé Guedes a caminho do chalé. Prontamente se camuflaram na caatinga verde e, silenciosamente, encostaram no chalé a uns 20 metros de distância e ficaram escondidos. Zé Guedes chegou ao chalé, amarrou o jumento em um pé de pereiro, tirou os caçuás da cangalha e colocou na porta.
Curiosamente levantou a cabeça, deu uma olhada até onde a vista alcançava, certificou-se de que não havia nada de estranho ao redor da casa, encostou o rifle na porta da casa e lá dentro, começou a encher os caçuás de milho.
De repente, Zé Guedes viu aquela sombra passar sobre suas costas. Ele levantou a vista, olhou por cima do lombo e lá estava Virgulino Ferrreira com seu rifle na mão e Antonio Ferreira olhando para ele e foram logo dizendo: “Que caçada a gente acertou hoje não foi Zé Guedes?”
Antonio Ferreira acrescentou na hora: “Você hoje vai provar da ponta do meu punhal”. E a guerra de nervos começou: “Vai morrer devagarzinho, sentindo a dor da morte para aprender a lição”. Zé Guedes respondeu: “Vamos ver Deus por quem é!”
Mas Virgulino, Antonio Ferreira e os cangaceiros estavam tão confiantes na caçada já segura que encostaram as armas na parede da casa e puxaram para o meio do terreiro, colocaram Zé Guedes no centro de um círculo de 16 homens e começaram fazer pressão psicológica.
Cada um dos cangaceiros soltava uma lorota: “Vamos pegar esse negro nas mãos!” Ele dentro do círculo, sem ação. Enquanto os cangaceiros faziam ele de boneco, todos desarmados, Zé Guedes estudava uma forma de sair daquela enrascada.
Virgulino e Antonio Ferreira, achando que aquela situação era fato consumado, gritaram “fecha o círculo”. No susto, Zé Guedes numa manobra versátil e espetacular, deu uma cambalhota, baixou-se e saiu por baixo das pernas dos cangaceiros. Todos caíram um por cima dos outros para abafa-lo.
Lampião perguntou: “Cadê o homem?” Zé Guedes em extrema ligeireza, saiu em disparada na caatinga feito louco. E saiu gritando: “Perdeu a caçada, negro do olho cego”.
Todos esparramados pelo chão. Quando pegaram as armas para atirar, Zé Guedes já ia há mais de 200 metros de distância dentro da caatinga fechada e saiu ileso.
Faleceu por morte natural aos 70 anos, em Nazaré do Pico, onde está sepultado no mausoléu da família.
*Zootecnista, historiador e escritor
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