Por Aldo Paes Barreto
Não há notícias neste mês de agosto da já tradicional Festa dos Garçons, em Frei Miguelinho, cidade referência da profissão, embora não exista por lá nenhum curso preparatório. Mesmo assim, a tendência para a atividade colocou o município no topo dos geradores de emprego em restaurantes, hotéis e similares.
Vários desses profissionais prosperaram e são proprietários de bem-sucedidos negócios. Aprenderam a cozinhar, a servir e tratar bem os clientes. Não há coisa pior do que o garçom retirar o prato ou copo, quando ainda resta aquele pedacinho que você separou para o final. A fama de Frei Miguelinho nasceu e prosperou com o crescimento do mercado gastronômico no Recife, quando os primeiros restaurantes tomaram lugar das pensões familiares. Geralmente eram de portugueses e empregavam patrícios e parentes recém-chegados.
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Início do século. O recifense passou a almoçar fora de casa e comia melhor no Lero-lero, no Cassimiro, no Leite, no Gambrinus. Com a ampliação do mercado, os restaurantes passaram a empregar brasileiros aprendizes da profissão. Mas existiam limites: as vagas eram vedavas às mulheres, pretos ou quem usasse barba, bigode ou unhas sujas.
Os nativos eram preteridos. A aparência pesava, seguindo o caminho que vinha de longe, antes da ocupação holandesa, em 1630. Mas muita coisa mudou. A derrota dos invasores e o consequente retorno dos vencidos, deixaram muitos holandeses no Nordeste. Ficou o DNA.
Dois consagrados livros de autores pernambucanos – “Tempos dos Flamengo”, de José Antônio Gonsalves de Mello e “Olinda Restaurada”, de Evaldo Cabral de Mello, refazem a história.
Recentemente, o historiador Eduardo Fonseca acrescentou que a ausência de mulheres holandesas estimulou a união e mesmo o casamento de militares e colonos holandeses com filhas de abastados senhores de engenho luso-brasileiros, ou com índias, negras, caboclas, mulatas e brancas locais. Novos caracteres acrescentados à nossa multirracial gente nordestina.
Quando a guerra terminou, temerosos da vingança dos nativos – e não sem motivo – aqueles invasores que não tinham como voltar à Holanda ficaram longe do litoral. Há registro da presença deles nas margens do São Francisco, na zona rural de Triunfo e em inúmeros povoados do interior. Quem pesquisar vai encontrar boas mostras do material genético na nossa gente.
Os invasores sobreviveram e deram variadas contribuições à receptiva terra nordestina. Na urbanização, na cultura. Na gastronomia, quase nada. Na guerra, o prioritário é saber se vai comer e não o quê. Os neerlandeses sobreviveram e se adaptaram rapidamente. Caminhavam apressados, hábito adquirido nos longos combate na terra que queriam conquistar. Faz bem ao coração. Pesquisas recentes descobriram que Frei Miguelinho é o maior município do Estado com número de pessoas acima dos 60 anos.
Garçons não morrem do coração. Mas podem matar.
Lá pelos anos 1970. Recém-formado, o advogado e escritor Arthur Carvalho recebeu no Recife antigo colega de faculdade. Tratava-se de destacado jurista exercendo importantes funções em Brasília. O convidado queria voltar no tempo, saborear galinha de cabidela, sarapatel, tomar um bom aperitivo e, na sobremesa, cocada de coco queimado. Na época, não havia explicação, mas era proibido servir cachaça nos restaurantes. Ofereciam conhaques de má fama, vinhos vinagrados. Nossa cachaça, nem pensar.
Arthur levou o colega jurista a um da poucos restaurante de comidas regionais da época: o Sarapatel do Gregório. Na entrada, o jornalista segredou ao garçom que, mais discretamente possível, servisse uma caninha ao convidado. Era proibido, mas ele dava um jeito. E dali mesmo o despachado garçom gritou para o balcão: Solta um pão na serra e uma Pitu na xícara…
Arthur quase enfarta.
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