Impasses e dramas políticos de Lula (II)
Em setembro de 1993, de passagem por Ariquemes, município de Rondônia, Lula disse que havia no Congresso “uma minoria de parlamentares que se preocupa e trabalha pelo País, mas há uma maioria de uns 300 picaretas que defende apenas seus próprios interesses”.
Com o tempo, a declaração gerou até letra de uma musiquinha famosa do grupo Paralamas do Sucesso: “Luiz Inácio falou, Luiz Inácio avisou / São trezentos picaretas com anel de doutor…/Eles [os congressistas] ficaram ofendidos com a afirmação / Que reflete na verdade o sentimento da nação”.
Leia maisE agora, Lula, 30 anos depois, o senhor merece entrar numa nova música? Passou de crítico radical a maestro-mor dos sons picaretais? E o sentimento da Nação, onde está, há de ser perguntar? Ou a verdade é que o Brasil se tornou mesmo “Cronicamente Inviável”, como no filme do iconoclasta diretor Sérgio Bianchi?
Somos todos cúmplices da incontida degeneração nacional? Adianta só ter asco em ver os “missionários” milicianos do Bolsonaro de mãos dadas novamente com o sapo barbudo, agora já careca de apoiar e acobertar tantas picaretagens? Ou a famosa canção de 1984, do lulista ilustre, Chico Buarque, dói fundo ao tocar atualmente? Quem não se lembra do som e da fúria dessas palavras cantadas?
“Num tempo/Página infeliz da nossa história/Passagem desbotada na memória/Das nossas novas gerações/Dormia/A nossa pátria mãe tão distraída/Sem perceber que era subtraída/Em tenebrosas transações”. Acorda, Chico! Acorda, Brasil! Tudo isso é hoje, Lula!
Canta, outra vez! “Acorda amor/Eu tive um pesadelo agora/Sonhei que tinha gente lá fora/Batendo no portão, que aflição/Era a dura, numa muito escura viatura/Minha nossa santa criatura/Chame, chame, chame lá/Chame, chame o ladrão, chame o ladrão/…Acorda amor/Não é mais pesadelo nada/Tem gente já no vão de escada/Fazendo confusão, que aflição/São os homens e eu aqui parado de pijama/Eu não gosto de passar vexame/Chame, chame, chame/Chame o ladrão, chame o ladrão”. O que será que será?
O suspiro das alcovas – “O que será que será/Que andam suspirando pelas alcovas/Que andam sussurrando em versos e trovas/Que andam combinando no breu das tocas/Que anda nas cabeças, anda nas bocas/Que andam acendendo velas nos becos/Que estão falando alto pelos botecos/Que gritam nos mercados que com certeza/Está na natureza, será que será/O que não tem certeza, nem nunca terá/O que não tem conserto, nem nunca terá/O que não tem tamanho/ No plano dos bandidos, dos desvalidos/Em todos os sentidos, será que será/O que não tem decência nem nunca terá/O que não tem censura nem nunca terá/O que não faz sentido/O que não tem governo, nem nunca terá/O que não tem vergonha nem nunca terá/O que não tem juízo”.
Boquinha para mulher de Chico – Chico, você já respondeu tudo com as suas letras celebradas pelo Prêmio Camões, com direito a cheque acima de meio milhão de reais, via o diploma entregue pelas próprias mãos do Lula em plena Lisboa, no dia 24 de abril de 2023. E olha que curioso: o Lula acabou de presentear o Chico na véspera deste Natal de 2023 com a nomeação da esposa do amigo compositor, Caroline Proner, advogada de 49 anos, para mandato de três anos na Comissão de Ética Pública da Presidência da República! Quanta ironia, se não fosse trágico!
A corda arrebenta no lado mais fraco – “O que não tem conserto, nem nunca terá”? Essa é a sina da esmagadora maioria dos brasileiros, a quem Lula no dia 19 de dezembro apelou: “O povo deveria me eleger para sempre”. A verdade é que Lula é parte do impasse estrutural: uma minúscula minoria se junta para proteger seus interesses pessoais e de grupos poderosos, como os banqueiros cada dia mais potentes e ganhando mais dinheiro. Olha só quem vai pagar mais imposto nessa chamada reforma tributária? Nada mais nada menos do que as chamadas classes médias! E os bancos, quanto pagarão? E os outros barões, como os pilantras do Fies, ficam protegidos. Os chamados “regimes diferenciados” escancaram a inviabilidade crônica do Brasil.
Farra com dinheiro do contribuinte – E o que Lula vai fazer? Tem força para enfrentar a fúria dos tubarões famintos? Em 2024 o Congresso Nacional vai receber um valor 35% maior do que em 2023 – R$ 53 bilhões! Um pelo outro, dá uma média de R$ 89 milhões por cabeça de congressista (na verdade senadores recebem bem mais que deputados). Só de emendas individuais, cada deputado vai ter direito a R$ 37 milhões e cada senador a R$ 69 milhões em 2024, além das outras variedades de emendas, conforme detalhado: R$ 19 bilhões: emendas individuais dos deputados; R$ 5,6 bi: emendas individuais dos senadores; R$ 11,3 bi: emendas de bancada estadual; R$ 10,9 bi: emendas de comissões da Câmara; R$ 5,6 bi: emendas de comissões do Senado.
Ampla liberdade para gastar – Com tanto dinheiro assim para deputados e senadores, que força Lula pode ter sobre o Congresso Nacional para viabilizar o mínimo do que prometeu na campanha? Isso sem falar que os parlamentares ocupam também espaço direto de poder, com ministérios, bancos públicos, autarquias e um sem-fim de órgãos federais. Como gerenciar esse “sanatório geral”? Ainda pior, tendo uma máquina administrativa ineficiente, que não consegue chegar adequadamente na ponta para beneficiar a população necessitada, sem resolver os gravíssimos problemas da miséria e da desigualdade. Enquanto isso, os deputados e senadores, independentemente de partido, não importa se é governo ou oposição, podem atuar diretamente nos seus redutos eleitorais, levando recursos “seus” para atender prefeitos e as comunidades do seu interesse direto, na mais ampla liberdade.
CURTAS
ENFRAQUECIMENTO – Traduzindo: a dinâmica política nacional tem mudado de maneira acelerada no sentido de enfraquecer dramaticamente o poder executivo, fortalecendo de maneira acelerada o parlamento e assim criando um impasse crescente de governança política.
AMANHÃ TEM MAIS! – O que fazer? Com o país dividido, baixo apoio popular, a correlação de forças é desfavorável a Lula e sua administração só tenderá a perder no jogo com o Congresso. Amanhã, vou tratar das consequências econômicas desse impasse sem solução.
Perguntar não ofende: Dá para acreditar em Lula?
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