Isso ocorre em todo lugar onde a política e a cidadania andam de mãos dadas. Em 1869, o cientista e empresário Thomas Edison, inventor da lâmpada elétrica, foi a Washington apresentar aos deputados e senadores uma máquina de votar. Aos 22 anos, imaginava ajudar o Congresso a decidir rápido.
Schuyler Colfax, presidente da Câmara, jogou um balde de fria realidade no entusiasmo de Edison: “Meu jovem, isso é tudo o que não queremos. Sua invenção vai destruir a única esperança da minoria influir no processo legislativo”. A velocidade imporia a vontade da maioria.
O presidente do Supremo, ministro Roberto Barroso, acredita que a Corte deve “empurrar a História para a direção certa”. Foi uma maneira elegante de justificar a interferência nos assuntos do Legislativo. Barroso faz parte de uma geração sofrida, amordaçada pela censura, que apanhou da polícia nas ruas ao clamar por liberdade, eleições diretas e só votou para presidente em 1989. Natural ter pressa.
Mas, ao mesmo tempo, nada mais antinatural do que não entender o processo político num país que, ao longo dos últimos 40 anos, viu a educação, saúde, segurança e qualidade de vida darem marcha à ré. O Brasil segue sendo um país por construir, mas sua agenda é de país desenvolvido. Muito parecida com a dos Estados Unidos e da Europa.
Explico: quem der uma volta pelo Brasil profundo, as periferias das metrópoles ou cidades da Amazônia, constatará a necessidade gigante de saneamento, luz elétrica, estradas asfaltadas, hospitais e escolas. Este é o Brasil por construir.
Mas a agenda do STF prioriza descriminalização da maconha e do aborto, igualdade de gênero, racismo estrutural, demarcação de terras indígenas, linguagem neutra, casamento homoafetivo, proibição de remover das ruas quem fez delas seu lar e outras questões caras às minorias.
Existem 284 mil pessoas vivendo nas ruas e 987 mil indígenas no Brasil. Outros 3 milhões se declaram gays, lésbicas e bissexuais, mostrou o IBGE. A agenda de gênero, de indígenas e de população de rua não perde importância pelo fato de representar anseios de uma minoria expressiva, mas não tem sentido ser a principal prioridade de um país com 203 milhões de habitantes, dos quais 69 milhões vivem nas 10 maiores regiões metropolitanas do país com segurança, saúde, educação e serviços básicos operando abaixo do limite da precariedade. Na Amazônia, por exemplo, vivem 30 milhões de brasileiros e a falta de água tratada e de esgoto virou o normal.
Num momento em que a agenda mundial é o meio ambiente, é preciso incluir na agenda as favelas de Manaus ou Belém fincadas dentro d’água em rios e igarapés onde as pessoas fazem suas necessidades, jogam lixo e, o que é pior, muitas vezes consomem aquela água.
O agronegócio perde 13% da safra de grãos durante o transporte por estradas pouco melhores que as picadas abertas pelos bandeirantes 300 anos atrás. São nada menos que R$ 107,9 bilhões, se considerarmos que no ano passado o Brasil produziu uma safra de grãos avaliada em R$ 830 bilhões.
A velocidade está no cerne do confronto entre o Legislativo e o Supremo. O Congresso quer avançar na pauta da infraestrutura, da reforma administrativa para dar mais eficiência ao serviço público, da criação de empregos, da atração de investimentos e da segurança pública. O Supremo tem se metido a legislar, atropelando o Congresso, deliberando sobre drogas, marco temporal ou aborto.
O ritmo de deputados e senadores costuma ser mais lento. São 594 almas de todos os tipos, origens e matizes, contra só 11 homens e mulheres dispensados de prestar contas ao eleitor. A ex-ministra do STJ Eliana Calmon, por exemplo, só passou a entender certos ritmos e velocidades quando entrou para a política e disputou o Senado da Bahia pelo PSB em 2014.
Confronto, elegante ou não, nunca foi um bom caminho. Harmonizar velocidade com suavidade não faz mal a ninguém, ensinou José Maria Alkmin, ministro da Fazenda de JK, vice de Castello Branco, primo do cartunista Henfil e de Herbert de Souza, o Betinho. Seus exemplos são inúmeros.
Para um eleitor doidinho que pediu ajuda para ir à Lua, Alkmin não se fez de rogado. Prometeu apoio, mas antes o tal eleitor precisava solucionar um pequeno problema: “Você sabe que há 4 luas: nova, crescente, minguante e cheia. Agora, compete a você escolher qual das luas deseja visitar, pois o apoio está dado. Me procure, novamente, quando definir!”
Um juiz teria corrido com o doidinho. Alkmin o tratou como o carro mais lento do comboio. Rapidamente ganhou seu voto e confiança.
*Jornalista
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