Após assumir seu terceiro mandato na Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, o PT e aliados acentuaram críticas e fizeram novas investidas para rever acordos, medidas e até legislação que tenha sido aprovada na esteira da Operação Lava Jato.
Há em curso a tentativa de impor a narrativa de que as investigações, embora recheadas de confissões e recuperação de ativos bilionários no exterior, não passaram de uma “farsa” ou até “armação”, que envolvem países estrangeiros. No terreno da política e da Justiça, Lula e governistas investem contra a Lei das Estatais, governança na Petrobras e acordos de leniência de empreiteiras investigadas. As informações são do Estadão.
Leia maisLula foi condenado e preso na Lava Jato, sob a acusação de recebimento de propinas. Em 2021, as sentenças foram anuladas pelo Supremo Tribunal Federal em razão da incompetência de Sérgio Moro para julgar o caso. A Corte também considerou parcial o atual senador e ex-juiz.
Como mostrou o Estadão, mesmo procuradores que apoiaram a operação e participaram de investigações sobre o petista e outros alvos fazem um movimento de autocrítica a respeito de excessos cometidos nos últimos anos. Procuradora-geral da República entre 2017 e 2019, Raquel Dodge argumenta que não se pode “cometer erros contra os indivíduos, que são os acusados no processo penal”.
“Se as instituições apostarem nisso (conter eventuais abusos), a gente avança bastante, fazendo a lei penal valer para todos e também dando um provimento jurisdicional célere que evite a prescrição”, diz a ex-procuradora.
Especialistas em direito e compliance, todavia, afirmam que parte desta herança da Lava Jato representou avanços para prevenir novos escândalos de corrupção e que ela não faz parte de um cenário de eventuais erros da operação. Professor de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Conrado Hubner afirma que “a sombra da Lava Jato – que já foi destruída – está sendo profundamente funcional para desmontar e desinstitucionalizar sistemas de controle na democracia brasileira”.
“Querem transformar todos os debates no sistema de Justiça em um debate entre lavajatismo e antilavajatismo, quando tanto um quanto o outro viraram faces de uma mesma moeda. O antilavajatismo virou um lavajatismo com sinal trocado. Um debate sectário”, afirma Hubner.
Resolução
O PT busca emplacar a narrativa calcada na negação de corrupção em seus governos. Em uma resolução do partido que teve o aval de Lula, a legenda publicou que “falsas denúncias foram engendradas” contra governos petistas, o partido e suas lideranças, desde o primeiro mandato, a partir de 2003.
Segundo a legenda, essas denúncias “mostram que está mais do que claro que a criminalização da política e a destruição da democracia constituem um mesmo projeto”. Já Lula afirmou, em entrevista ao site Brasil 247, que a Lava Jato “fazia parte de uma mancomunação entre o Ministério Público brasileiro, a Polícia Federal brasileira e a Justiça americana, o Departamento de Justiça”.
Métodos de cooperações internacionais relacionadas à Lava Jato foram questionados no STF e chegaram a ter endosso em decisões de ministros, mas em nenhum momento ficou comprovado que a operação era, desde o início, fruto de uma “mancomunação” com países estrangeiros. Os próprios processos contra Lula resultaram na condenação quando debatidos em seu mérito. No Supremo, o petista obteve a anulação dos processos. A parcialidade de Moro reconhecida pela Corte não é uma questão de mérito, mas representa nulidade grave, capaz de fazer com que provas sejam consideradas imprestáveis pelo Judiciário.
Negar que os esquemas tenham existido não encontra respaldo nos autos de qualquer processo. No mensalão, 24 agentes partidários e operadores foram condenados pelo STF. Nada foi anulado. Já a Operação Lava Jato recuperou mais de R$ 6 bilhões aos cofres da Petrobras, fruto de confissões e cooperações internacionais que encontraram propinas no exterior. Empresas, empresários, doleiros e políticos confessaram corrupção e, até hoje, reafirmam esta versão em depoimentos, mesmo após a anulação de diversas ações.
Petrobras
Em outra frente, petistas têm investido em arcabouços legais considerados alinhados a uma herança da Lava Jato. Como mostrou a Coluna do Estadão, a diretoria de governança da Petrobras, criada durante o governo Dilma Rousseff (PT) em 2014, está na mira do ex-senador e hoje presidente da estatal, Jean Paul Prates (PT). Ele considera que o órgão não passa de um “entulho autoritário” da Lava Jato, que engessa a administração da empresa.
Diretoria
Prates cogita rebaixá-la ao status de cargo executivo vinculado à área jurídica ou ao Conselho de Administração. Para ele, há hoje poderes excessivos na diretoria responsável por prevenir casos de corrupção e outras inconformidades.
Ex-diretor de governança da Petrobras, Marcelo Zenkner afirma que ao cargo “cabe, atualmente, analisar e emitir avaliação prévia acerca da ‘conformidade processual’ de cada pauta que é levada à diretoria executiva da Petrobras”.
“Detectada alguma falha, a pauta é corrigida antecipadamente ou, então, nem é enviada para deliberação dos demais diretores executivos. Se houver um rebaixamento, esse importantíssimo mecanismo de prevenção a fraudes e a desvios deixará de existir e a empresa ficará muito mais vulnerável a novos escândalos de corrupção”, diz Zenkner.
“Não há nenhum motivo para mudar aquilo que está dando muito certo. Até agora não vi ninguém dizer qual é o problema identificado para justificar uma mudança. Vale lembrar que essa estrutura segue as melhores práticas internacionais e foram, inclusive, validadas pelo DoJ (Departamento de Justiça dos EUA). Qualquer mudança será interpretada pelo mercado e pelos investidores como uma tentativa de enfraquecimento do sistema de integridade corporativa, o qual é o responsável pela prevenção à fraude, à corrupção e à lavagem de dinheiro”, argumenta Zenkner.
Lei das Estatais
Em outra investida, a AGU sob o governo Lula pediu ao STF para que revogasse trechos da Lei de Estatais que preveem quarentena para políticos e agentes de campanhas eleitorais antes de assumirem cargos de direção em companhias públicas. Também no Supremo, três partidos aliados de Lula, o Solidariedade, o PCdoB e o PSOL, pediram a suspensão de todos os pagamentos de acordos de leniência no País feitos até agosto de 2020, o que abarca todo o clube VIP de empreiteiras e a J&F. Eles afirmam haver ilegalidades na costura destes acordos. Entre os signatários, está a ministra da Ciência e Tecnologia, Luciana Santos.
Ela disse ao Estadão que “é uma decisão partidária, que parte da compreensão de que é preciso preservar as empresas nacionais como elementos decisivos para impulsionar a economia do País”.
Lucia Casasanta, ex-diretora de Conformidade da Eletrobras, afirma que a Lei das Estatais “fortaleceu a relação das empresas com o núcleo político e estabeleceu limites para evitar que situações que já haviam sido deflagradas não voltassem a acontecer”. Segundo ela, a despeito de negacionismo do governo Jair Bolsonaro, o “negacionismo do PT na questão da corrupção é uma coisa impressionante”. “Não se pode destruir aquilo que é realmente a sustentação da Lei das Estatais.”
Leia menos