Na seara da investigação, em vez de deixar a tarefa sob a responsabilidade da vice-PGR, Lindôra Araújo, um dos nomes mais alinhados ao bolsonarismo na cúpula da instituição e que o auxilia no Supremo, ele designou outro colega para tocar os inquéritos dos atos golpistas do dia 8 de janeiro.É uma movimentação que integrantes do MPF ouvidos reservadamente pela Folha classificam de “esperada”, dado o perfil da gestão Aras. Procurado, ele não se manifestou.
Em setembro, Lula irá decidir o que fazer após o término do mandato do atual titular da PGR. O petista pode reconduzi-lo a mais dois anos no cargo ou escolher outro nome, mesmo fora da lista tríplice elaborada pelos procuradores em votação interna, o que ele já afirmou que fará.
“Única coisa que tenho certeza é que eu não vou escolher mais lista tríplice”, disse.
O petista culpa a Operação Lava Jato, a quem chamou de “moleques”, por não lançar mão da tradição que ele mesmo inaugurou em seu primeiro mandato. O presidente tem dito que não tem ninguém em vista no momento e não indicará alguém para lhe “fazer benefício”.
Em nota, a ANPR afirmou que “ao tratar a definição do PGR como uma escolha pessoal, o presidente da República abre mão da transparência necessária ao processo e se desvincula da preocupação com a autonomia da instituição e com a independência” do ocupante do cargo.
As palavras de Lula contrastam com a atitude crítica do PT quando Bolsonaro, em 2019, escolheu o hoje chefe da Procuradoria desprezando a listra tríplice.
Aras quer participar da indicação do seu sucessor pelo governo petista, e não descarta a própria recondução —ele está em seu segundo mandato.
O ajuste de rota do procurador-geral começou já em dezembro, no governo de transição, quando a PGR mudou seu posicionamento sobre as emendas de relator, tornando-se crítica do instrumento gestado na administração Bolsonaro para ter apoio no Congresso Nacional.
Outros casos viriam na sequência. A Procuradoria pediu a apreensão de uma arma da deputada Carla Zambelli (PL-SP), uma das mais votadas parlamentares bolsonaristas, alvo de inquérito no STF.
Aras acionou também a corte contra o decreto de Bolsonaro que concedeu indulto a condenados, incluindo os policiais militares do massacre de Carandiru, em São Paulo.
O chefe do MPF pediu que o Supremo suspendesse imediatamente a eficácia de trecho da norma, “como forma de evitar o esvaziamento das dezenas de condenações do caso”.
No dia seguinte aos atos golpistas de 8 de janeiro, Lula se reuniu com governadores. Participaram da reunião ministros do Supremo, entre eles a presidente da corte, Rosa Weber.
Também presente no encontro, Aras negou que tenha havido omissão da PGR em reiteradas manifestações antidemocráticas incentivadas pelo ex-presidente e por seus aliados nos últimos anos. Ele garantiu que atuaria para responsabilizar os vândalos.
“Durante os eventos de 2021 e 2022 não tivemos nenhum ato de violência capaz de atentar contra democracia como visto ontem [8 de janeiro] “, afirmou ele na ocasião.O titular da PGR criou um grupo, sob a coordenação do subprocurador Carlos Frederico Santos, para atuar nas investigações. Bolsonaro e o ex-titular da pasta da Justiça Anderson Torres, um dos auxiliares mais próximos do ex-presidente, figuraram entre os alvos.
Há sete inquéritos abertos no Supremo para apurar responsáveis pelos atos. Três investigam a participação de deputados federais bolsonaristas sob suspeita de terem instigado os ataques: André Fernandes (PL-CE), Clarissa Tércio (PP-PE) e Silvia Waiãpi (PL-AP).
Outros dois miram executores, financiadores e quem auxiliou materialmente os atos. Há, ainda, um que apura os autores intelectuais e instigadores. Nesse inquérito, Bolsonaro é investigado.
Até o momento, a Procuradoria denunciou 1.187 pessoas, a maioria delas presa nas imediações do Quartel-General do Exército em Brasília.
Não se tem notícia até agora de acusações formalizadas contra autores intelectuais, financiadores ou políticos incitadores dos atos, o que para integrantes da Procuradoria ouvidos pela Folha é sinal de que a deferência ao bolsonarismo ainda sobrevive no órgão.
Em recente manifestação, uma das principais auxiliares de Aras, a vice-PGR, Lindôra Araújo, disse ao STF que o ex-presidente não cometeu crimes ou ato de improbidade na apresentação com ameaças golpistas a embaixadores estrangeiros em julho do ano passado. Ela solicitou o arquivamento de um pedido de apuração apresentado por deputados adversários do ex-mandatário.
Os parlamentares alegaram suspeitas de crime contra o Estado democrático de Direito, delito eleitoral, crime de responsabilidade e de atos de improbidade administrativa.
No Tribunal Superior Eleitoral tramita uma investigação que pode levar Bolsonaro à inelegibilidade sobre o mesmo fato. De iniciativa do PDT, da base de apoio a Lula, é a ação em análise com andamento mais rápido e apontada como a primeira candidata a ser julgada.
A Procuradoria é representada na corte eleitoral por Paulo Gonet Branco, designado por Aras para a função de vice-procurador-geral eleitoral. Gonet é um dos nomes citados entre os postulantes ao comando da PGR no biênio 2023-2025.
ENTENDA O PAPEL DO PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
O que faz o procurador-geral da República? É o chefe do Ministério Público da União, que inclui Ministério Público Federal, Ministério Público Militar, Ministério Público do Trabalho e Ministério Público do Distrito Federal e Territórios.
Representa o MPF nos tribunais superiores, com atribuições administrativas ligadas às outras esferas do MPU. Investiga e denuncia políticos com foro especial no STF (Supremo Tribunal Federal). E é o procurador-geral eleitoral, no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Quais os tipos de ações que o PGR pode oferecer? No Supremo, pode propor ações de inconstitucionalidade, representar por intervenção federal nos estados e ajuizar ações cíveis e penais. No STJ, pode representar pela federalização de casos de crimes contra os direitos humanos, por exemplo.
Quanto tempo dura seu mandato? O mandato do procurador-geral dura dois anos. Ele pode exercer o mesmo cargo em outro mandato e não há número limite de reconduções permitidas.
Quais as regras para ser indicado ao cargo? Pelas regras atuais, previstas na Constituição, o presidente pode escolher para a função qualquer procurador da República com mais de 35 anos. O nome é submetido a sabatina e aprovação pelos senadores, por maioria absoluta (41 votos).
Qual o trâmite da nomeação do PGR no Legislativo? Para se tornar procurador-geral, é preciso passar por sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, ter seu nome aprovado pela comissão e depois pelo plenário da Casa por maioria absoluta —41 senadores.
O que é lista tríplice para a PGR? A ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) faz a cada dois anos uma eleição interna para definir quem os membros da categoria mais querem no cargo de procurador-geral da República.
Os três candidatos mais votados compõem uma lista tríplice informal, que é enviada ao presidente da República.
Como a eleição funciona? Tradicionalmente pode se candidatar qualquer procurador do Ministério Público Federal, em atividade e com mais de 35 anos, atue ele na primeira, na segunda ou na instância superior. Cada eleitor pode votar em três nomes.
O presidente é obrigado a seguir a lista tríplice? O presidente não é obrigado a seguir essa sugestão e pode indicar alguém de fora da lista tríplice. Hoje, o documento é apenas uma sugestão ao chefe do Executivo. Há iniciativas no Senado e na Câmara para vincular a indicação à lista elaborada pelos membros do MPF.
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