Por Marcelo Tognozzi*
O bicho está solto. Com a guerra na Europa e a inflação dando sinais de resistência em todo o mundo ocidental, com 10,5% no Reino Unido (em libras!), quase 9% na Zona do Euro e 6,4% nos Estados Unidos, não há classe trabalhadora que aguente. Na Espanha, a inflação de alimentos chegou a 15,9%. O leite subiu 33%, os ovos 27% e o pão 14%. Na Inglaterra supermercados estão racionando a venda de alimentos.
Não é por acaso que os juros sobem em todo planeta. Nos Estados Unidos, a taxa foi fixada pelo FED, o banco central deles, na faixa de 4,5% a 4,75% ao ano, bem alta para os índices praticados na última década. Juros maiores e inflação em dólar beirando os 6% significam empobrecimento da população americana e o governo Biden investe no crescimento do PIB apostando na guerra.
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Mandou cerca de US$ 50 bilhões para Ucrânia, uma ajuda que, na realidade, não é para os ucranianos, mas para empresas americanas que ganham o pão de cada dia às custas do sangue das guerras. Isso vem de longe. Fizeram na Guerra da Coréia (1950-1953), na do Vietnã (1955-1975), no Oriente Médio e, agora, repetem a fórmula no Leste Europeu.
Biden não quer apenas sufocar e colocar de joelhos os russos, mas tomar uma parte da Europa com solo fértil e que, nas últimas décadas, se tornou o principal fornecedor de trigo para os croissants franceses, de soja e milho para a ração dos porcos espanhóis que produzem o melhor jamón do mundo (pata negra, belota ou serrano) ou do girassol consumido como óleo ou sementes.
O Brasil está diante deste cenário mundial com um governo com muito poder e nenhuma proposta concreta para a economia e um Congresso poderoso, talvez o mais poderoso de todos os tempos, mas sem ideias próprias. As duas situações são péssimas, porque o Congresso precisa começar a andar pelas próprias pernas, ser mais propositivo e menos reativo, e o Executivo abandonar a retórica de crítico contundente da economia e começar a fazer o dever de casa.
A população quer resultado e isso angustia um governo sem plano econômico e mantém acesa a chama da desconfiança do mercado. Ao mesmo tempo em que Lula tenta usar a diplomacia para ganhar relevância internacional se aproximando de Joe Biden, não deve se esquecer que o atual presidente dos Estados Unidos integrou o governo Obama, o qual patrocinou o grampo do governo Dilma Rousseff, abençoou a Lava Jato, mandando para o Brasil instrutores das suas forças de segurança para “treinar” a turma da República de Curitiba, e ajudou a condenar e prender Lula. Aqui não tem brother não, meu amigo.
Lula pode fazer o movimento de ser um pregador da paz mundial, mas isso não fará a menor diferença para um governo Biden –provavelmente também para seu sucessor– focado em fazer da guerra um negócio, estimulando um conflito que ainda durará bastante tempo e renderá empregos e lucros.
Do ponto de vista prático, o melhor seria olhar para os campos da Ucrânia, totalmente destruídos pela máquina de guerra russa. Quando um míssil cai num campo de trigo, faz um buraco enorme, mas o pior é a contaminação gerada pelos produtos químicos, tudo feito para matar. Não haverá colheita tão cedo, muito menos fartura.
Além da guerra, a Europa convive com uma praga chamada gripe aviária, que, só na França, matou mais de 100 milhões de aves nos últimos meses. Aves e suínos são as duas mais importantes fontes de proteína para os europeus. Cada vez que estes mercados são afetados, o dragão da inflação balança o rabo.
A solução para a crise europeia está no Brasil. Mas aqui os apoiadores do governo Lula resolveram promover invasão de terras no Carnaval e vão tocar fogo no parquinho em abril, quando fazem seus tradicionais protestos lembrando a chacina de Eldorado dos Carajás. Tudo o que o Brasil não precisa é de confusão no campo, especialmente quando o mercado mundial está cada vez mais dependente do nosso agronegócio. Enquanto a miséria segue sendo moeda política por aqui, nos Estados Unidos a moeda política é a guerra que faz crescer o PIB.
Confusão no campo pode significar mais inflação que, por sinal, deu um soluço neste início do ano, como para mostrar a Lula que talvez não seja bom negócio brigar com um Banco Central que faz o dever de casa. Se os juros aqui estão maiores que os dos Estados Unidos, por exemplo, é porque nosso risco é maior. Baixar os juros para 5% ou 6% irá provocar uma fuga de investidores, preferindo aplicar nos papéis do governo americano, muito mais seguros que os nossos. Gostemos ou não, é assim que funciona.
O Brasil até agora está se segurando, com uma inflação menor que a dos Estados Unidos, Inglaterra e Zona do Euro. O empobrecimento é global, mas uns empobrecem mais rápido, como a Argentina. O Brasil pode continuar no clube dos que perdem mais devagar, mantendo o poder de compra dos mais pobres. Basta não achar que precisa reinventar a roda e lembrar que o eleitor espera resultados. Ele até topa fazer sacrifícios, mas tudo desandar o governo pagará caro na eleição seguinte.
*Jornalista
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