Por Maurício Rands*
Foi-se um ano de sinais mistos. Positivamente, o mundo testemunhou alguma resiliência democrática. Autocratas autoritários, ou candidatos a, foram derrotados: Trump, Bolsonaro, Marine Le Pen. A invasão da Ucrânia não se revelou o passeio imaginado por Putin. A direita iliberal, todavia, não está morta. Erdogan na Turquia, Giorgia Meloni na Itália, os teocratas do Irã que mataram Mahsa Amini e outras mulheres por não usar o “hijab”, os republicanos reeleitos no controle do senado americano e Orbán na Hungria, todos continuam sua marcha de intolerância.
Aproveitam-se de dois tipos de ressentimentos: i) o dos perdedores da globalização; e, ii) o dos insatisfeitos com os avanços das políticas indenitárias. Sempre catalisados pelos algoritmos das grandes plataformas da internet que manipulam o ódio, o conteúdo falso, o escatológico e o polarizado. Para nossa tristeza, perdemos personagens como Pelé, Erasmo Carlos, Elza Soares, Jô Soares, Milton Gonçalves, Arnaldo Jabor, Cláudia Jimenez, a rainha Elizabeth II, o papa Bento XVI, Mikhail Gorbachev e Jean-Luc Godard. E também parentes e amigos próximos. Cada um tem a sua lista de saudades.
Leia maisNo Brasil, os sinais também são misturados. Triste o aumento da população de rua em nossas grandes cidades. A testemunhar a falência dos poderes públicos. E o divórcio entre o país institucional e o real. Mas também o fracasso moral de uma sociedade que não parece se escandalizar com tanta desigualdade, exclusão e sofrimento.
Preocupante ver tanta gente nos quartéis e nas estradas urrando por uma intervenção militar. Leia-se, um golpe de estado para instaurar uma ditadura. Portas de quartéis que se tornaram incubadoras de terrorismo. Que já queimaram ônibus, carros e invadiram a sede da Polícia Federal. E que plantaram uma bomba num caminhão de combustível para matar gente no aeroporto de Brasília. Tudo isso depois de participarem de uma eleição e perderem. Com um candidato que, mesmo tendo conduzido o país a um desastre na pandemia da Covid, ainda teve 57 milhões de votos.
Mas alguns sinais permitem um otimismo contido. O governo eleito por uma frente ampla acabou por montar um ministério também amplo. Com representantes de partidos de esquerda, centro-esquerda, centro-direita e direita. Até mesmo com o União Brasil, sucessor do PFL, o partido que sustentara o regime militar de 64.
A diversidade também sinaliza a opção por políticas públicas inclusivas. Nunca um ministério teve tantas mulheres, índios, negros e representantes das causas indenitárias. No quesito competência, basta uma rápida comparação entre cada novo ministro e o correspondente do governo que sai. O discurso de posse do presidente Lula, falando em reconstrução, mostrou um presidente consciente de que é preciso pacificar o país para reconstruir suas instituições. E para identificar um propósito nacional que passa por um novo tipo de desenvolvimento. Capaz de unir responsabilidade fiscal com responsabilidade social e ambiental. As primeiras sinalizações do novo ministro da fazenda vão nesta direção.
A consciência de que a contenção do crescimento das despesas públicas, inclusive das renúncias fiscais, é importante para deter a exponencial da dívida que iria manter altos os juros e a inflação. E, ao final, dificultariam a inclusão social, ambiental e digital por todos exigida. Para que a reconstrução seja viável, vamos precisar encontrar energias para exercer a tolerância capaz de nos pacificar. E, quem sabe, viabilizar alguns consensos parciais. Como o de promover uma revolução educacionista capaz de criar um sistema em que as escolas dos ricos e dos pobres tenham a mesma qualidade.
*Advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford
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